Meio de campo

O futebol e a contribuição da CVM para o desenvolvimento econômico e social do país

O país não sairá da sua condição de eterna promessa e, mais relevante, de aspirante a potência global sem o desenvolvimento do seu mercado de capitais.

11/10/2023

Nós, brasileiros, herdamos dos colonizadores as práticas da crítica e do lamento. Não se trata de preconceito ou de xenofobia; ao contrário, pois, além de descendente de família que ainda tem raízes ibéricas, vivi por lá algum tempo.

No plano político, a tendência ao criticismo se exponencia. Com exceção de aliados, incumbentes costumam ser metralhados pela oposição, a qual, por sua vez, será metralhada pelos outrora metralhados, quando estes assumirem o poder. Em ambiente belicoso, a população, influenciada por intenso fluxo de (des)informação, produzida anonimamente, ecoa ataques que se justificam por motivos muitas vezes patológicos ou pessoais.

Nos tempos atuais, quase todo mundo se sente autorizado a debater sobre qualquer assunto; algo que não seria problemático se, antes do debate, debatedores buscassem compreender e estudassem o respectivo tema.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, tem sido objeto da curiosidade pública – e política –, de tempos em tempos, por ocasião, invariavelmente, de evento externo e extremo.

Assim foi, por exemplo, na alvorada da crise que envolveu uma gigante companhia brasileira de varejo. Naquele momento, vozes oportunistas se dirigiram à população em geral (ou a eleitores), com afirmações irrealistas e, em alguns casos, acusatórias, sobre algo que não conheciam e, principalmente, para o que não davam – e não dão – a menor bola.

Esta é a realidade: governos, historicamente, não importam as correntes ideológicas, ignoram o papel e a importância da CVM e falham ao prover os meios necessários para que ela cumpra em sua plenitude os objetivos para os quais foi criada, em 1976. Políticos, então, lembram-se dela apenas em momentos extraordinários; e abandonam suas lembranças quando ela deixa de lhes dar ou propiciar (alguma) exposição.

A CVM faz mágica com os limitados recursos humanos (em termos quantitativos, e não qualitativos) e financeiros que lhes são dispensados. Aliás, enquanto certas autarquias esbanjam espaços nababescos, ela ainda luta para ter meios adequados de acesso e de transmissão remotos.

Não bastasse, é criticada por fatos sobre os quais não é responsável; como se lhe coubesse, seguindo no mesmo exemplo citado acima, auditar condutas de companhias listadas, que passam não apenas pelo escrutínio de auditores internacionais como, e aqui vem um dado relevante, por financiadores, banqueiros, investidores institucionais e empresas de rating.

Deixando-se, a partir deste ponto, a crítica da crítica, e passando ao que interessa, o desenvolvimento do mercado de capitais não deveria ser uma opção, mas uma missão de qualquer governo realmente preocupado com o desenvolvimento estrutural, social e econômico. Aliás, é tema de Estado, que não deveria se subordinar a alternâncias partidárias.

O país não sairá da sua condição de eterna promessa e, mais relevante, de aspirante a potência global sem o desenvolvimento do seu mercado de capitais, que oferece ao empreendedor, em ambientes desenvolvidos, recursos alternativos aos tradicionais produtos financeiros – que se sustentam, no Brasil, por taxas proibitivas – e, ao mesmo tempo, produtos eventualmente mais rentáveis à população poupadora e alocadora de economias.

Com o advento da Lei da SAF, essa perspectiva, em relação à atividade do futebol, deixou de ser especulativa e se tornou um fato. Já circulam, nesse sentido, ofertas públicas lastreadas em receitas futebolísticas ou de notas comerciais, e outras operações deverão, em futuro próximo, expandir o mercado.

A CVM não poderia, aí sim, manter-se inerte; em especial pelo fato de que o acesso da SAF ao mercado de capitais deverá incrementar a base de pessoas físicas investidoras, muitas delas (é o que se acredita) novatas e sem experiências pretéritas – e movidas, eventualmente, pela paixão.

O Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, objeto de uma série de 4 textos publicados nesta Coluna, expressa, assim, a percepção de relevância do tema – e de suas consequências, que já tinham justificado a realização, na sede da autarquia, em novembro de 2022, do 1º Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais.

E, agora, a continuidade do esforço de construção de um ambiente seguro e sustentável, com a realização, no próximo dia 16 de outubro, do 2º Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais.

Nesta empreitada, a CVM não andará sozinha. O evento, realizado pelo IDSA, AASP e Migalhas, e com apoio institucional da própria CVM e da B3, reunirá, mais uma vez, na sede da autarquia, nomes essenciais que atuam em política, nos mercados financeiro e de capitais, em clubes de futebol e em SAFs, além de professores, advogados e reguladores.

Como já se afirmou neste espaço, lá na frente, quando o Brasil tiver formado, senão o maior, um dos maiores mercados do planeta, o papel da CVM não poderá ser esquecido; melhor dizendo, ela deverá ser enaltecida, pela responsável e elogiável atuação em prol do desenvolvimento do país.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.