Na Parte I da série, publicada nesta coluna, tratou-se da importância prática e histórica da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, consubstanciada na divulgação do Parecer de Orientação CVM 41, de 21 de agosto de 2023 (“Parecer 41”), no qual consolida-se o “entendimento da Autarquia sobre as normas aplicáveis às Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) que desejarem acessar o mercado de capitais para financiar suas atividades”.
Desde a sua criação, em 1976, a CVM havia divulgado 40 pareceres que tratavam, todos, com apenas uma exceção, de temas inerentes a relações societárias, posições de acionistas, condutas internas das companhias ou de acionistas, demonstrações financeiras e outros aspectos diretamente derivados das leis 6.385/76 e 6.404/76.
Nenhum abordava, nem de perto, determinado setor econômico ou a possível formação de novos mercados (ou ambientes ou formas de operar no mercado de capitais) em decorrência de tecnologias e práticas inovadoras.
O Parecer de Orientação CVM 40, de 11 de outubro de 2022, foi a iniciativa que mais se distanciou das 39 anteriores e mais se aproxima (ou abre a porta) para a empreitada que lhe seguiu, objeto deste texto. Naquele parecer se apresentaram proposições orientativas a respeito de criptomoedas e suas interseções com o mercado de capitais.
A divulgação do Parecer 41 se revela ainda mais fascinante pelo fato de que, conforme buscas realizadas desde o seu advento em sítios eletrônicos de reguladores do mercado de capitais de mais de vinte países, banco centrais, times de futebol estrangeiros que operam sob a forma de sociedades empresárias e entidades de administração do esporte (FIFA, CBF, etc), não se localizou, até o momento, nenhuma iniciativa similar.
Talvez se diga, assim, que não havia necessidade de o regulador local preocupar-se com o tema. De forma alguma.
A proposta de criação da SAF e do mercado do futebol (desde o surgimento do livro Futebol, Mercado e Estado – Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento[1] e, na sequência, a iniciativa do PL 5.082/16, apresentado à Camara dos Deputados pelo Deputado Federal Otavio Leite), foi recebida com resistência e incredulidade – e, não raro, em tom de chacota. Contam-se nos dedos as pessoas que acreditaram ou apostaram em sua viabilidade.
Aliás, afirmava-se em diversos meios (acadêmico, jurídico, financeiro e político, dentre outros) que o sistema jurídico já catalogava diferentes tipos societários que poderiam ser adotados por qualquer clube que pretendesse constituir ou transformar-se em empresa e, a partir do ato de constituição ou transformação, que o mesmo sistema já viabilizaria o acesso ao mercado de capitais, a meios de reestruturação de passivos, a técnicas de governo e controle interno, além das demais matérias que viriam a ser tratadas na Lei da SAF (exceto a tributária).
A pragmática desdizia, porém, o reacionarismo.
Simples: se o sistema já oferecia, então, todas as soluções, por que não se formava um mercado no País? Por que clubes não buscavam soluções para seus endividamentos no mercado financeiro ou de capitais? Antes, por que não se promoviam constituições de empresas para operar o futebol? Por que investidores, de distintos perfis, não consideravam ou, quando ousavam considerar, fugiam do Brasil para países menos relevantes e sem tradição? Por que os clubes brasileiros acumulavam dívidas bilionárias e deixavam de cumprir seus papéis de condutores do desenvolvimento esportivo, social e econômico?
Porque faltavam (i) política pública (que ainda não se manifesta de modo inequívoco a despeito da Lei da SAF, da Instrução Normativa DREI/ME 112, de 20 de janeiro de 2022, e do Parecer 41) e (ii) um conjunto normativo que oferecesse segurança ao proprietário do ativo futebolístico (o clube) e ao provedor de capital (instituição financeira ou investidor).
É nessa perspectiva que se insere o Parecer 41.
De modo elogiável, a CVM se antecipou ao mercado, que está agitado com os eventos protagonizados por times como Bahia, Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG e Coritiba (e com outros projetos em curso), que simbolizam, pode-se apostar, tão somente a pontinha do iceberg do ambiente em formação, e expressou sua orientação aos agentes e demais integrantes do sistema sobre matéria que, não se tem como negar, insere-se em sua competência.
Projetam-se, atualmente, novos produtos, fundos de investimento, operações híbridas com emissão de dívida para financiamento de aquisição de SAF, o primeiro IPO do país e outras iniciativas que se sujeitarão ao poder fiscalizatório e sancionatório da CVM; de modo que, prudencialmente, cumpre-se a missão de evitar a ocorrência de condutas ou eventos indesejados que obstaculizem o processo de desenvolvimento do mercado de capitais e do país.
Portanto, assim como já não se concebe um ambiente futebolístico sem a Lei da SAF e a SAF, o Parecer 41, com o tempo, deverá ser reconhecido e festejado por simbolizar um ato pioneiro que terá contribuído para viabilizar o acesso a capitais que, desde a origem do esporte no país, jamais ousaram chegar perto de dirigentes ou de seus clubes.
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1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. – São Paulo: Quartier Latin, 2016.