Meio de campo

O futebol, a CVM e o Parecer de Orientação CVM n. 41: um passo histórico para acesso ao mercado de capitais

Advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro trata do parecer de Orientação n. 41, divulgado esta semana pela CVM, que orienta o mercado a respeito de operações no mercado de capitais envolvendo SAF.

23/8/2023

O Brasil caminha para formação do maior mercado do futebol do planeta.

Recente movimento, que indica uma inequívoca integração de política pública, foi realizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais.

Motivada pelo advento da Lei da SAF, a CVM divulgou o Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, no qual consolida o "entendimento da Autarquia sobre as normas aplicáveis às Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) que desejarem acessar o mercado de capitais para financiar suas atividades".

Parecer de Orientação não tem natureza de lei. Trata-se de ato administrativo que visa orientar o mercado em geral, incluindo investidores e tomadores de capital, sobre matéria que cabe à CVM regular. A orientação tem mais um propósito: veicular as manifestações da própria CVM a respeito da sua interpretação da lei 6.385/1976 e da lei 6.404/1976.

A primeira lei criou, em 1976, a CVM e dispôs sobre o mercado de capitais. A segunda reformulou, no mesmo ano, a sistemática das sociedades por ações, em especial da sociedade anônima (ou companhia), que é o tipo concebido para organizar empresas que pretendam acessar o mercado de capitais.

De modo bem suscinto, mercado financeiro latu sensu engloba o mercado financeiro em sentido estrito e o mercado de capitais. O mercado financeiro em sentido estrito cuida de negócios em que se apresenta um intermediário, geralmente uma instituição financeira, que estabelece relações com um poupador, de um lado, e um tomador, de outro.

O intermediário se interpõe, portanto, entre poupador e tomador, e com cada um deles estabelece uma relação autônoma. De modo geral, ele paga ao poupador uma remuneração pelo depósito de seus recursos e, em seguida, empresta os recursos (ou parte deles) ao tomador, mediante cobrança de taxas contratadas.

No âmbito do mercado de capitais, o intermediário desaparece. Uma das finalidades desse mercado consiste justamente na desintermediação. O tomador acessa diretamente a poupança popular mediante operações de emissão de ações ou de instrumentos de dívida. O custo, em tese, tende a ser menor; e as alternativas, maiores.

É no ambiente do mercado de capitais, grosso modo, que a CVM exerce competência regulatória; e é sobre ele, também, que se projeta o benfazejo Parecer de Orientação. 

Nesse sentido, o art. 8º da Lei 6.385/1976 atribuiu à CVM competência para, dentre outras atividades, "I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações; (...); III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados (...); V - fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório".

Não parece haver dúvida, portanto, acerca da mensagem contida na iniciativa. Com o advento da Lei da SAF, que instituiu no Brasil a sociedade anônima do futebol (a qual, por sua vez, é um subtipo de sociedade anônima), a CVM anuncia que, pela primeira vez na história – não apenas do mercado brasileiro, mas mundial –, está de olho na formação do ambiente em que operações futebolísticas ocorrerão.

Ainda – e não menos relevante –, que ela (a CVM) tem competência regulatória sobre operações de SAF no mercado de capitais e que, em relação a esses negócios, espera-se a observância a certo padrão de conduta compatível com a sistemática do mercado.

A competência da CVM compreende a produção de normas infralegais – sob a forma, por exemplo, de Resolução – e as atividades fiscalizatórias e sancionatórias, conforme conteúdo da lei 6.385/1976.

Com isso, clubes que pretendam estruturar operações de SAF combinadas com acesso ao mercado de capitais terão, com o advento do Parecer de Orientação, maior segurança em relação aos modelos que forem negociados com financiadores e ofertados ao mercado; e financiadores, por outro lado, poderão reforçar suas apostas no ambiente brasileiro do futebol mediante absorção e implementação do conteúdo orientativo.

A CVM adverte, no âmbito do texto, que não lhe cabe a supervisão de operações privadas com ações – ou de quaisquer operações que ocorram fora do ambiente do mercado de capitais, a exemplo de aportes privados e diretos de capital em SAF (como aqueles ocorridos com Botafogo, Cruzeiro e Vasco).

Isso não impede que agentes envolvidos em tais relações adotem como referência – e fonte – o conteúdo do Parecer, o qual, aliás, não inova ou cria novas normas (o que nem poderia), mas se trata de uma peça afirmativa de inegável qualidade, que servirá não apenas de orientação, como também para estabilizar a aplicação de certos conteúdos da Lei da SAF.   

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.