Meio de campo

Breves comentários à proposta de reforma da lei da SAF – Parte III (e final)

Chega-se, assim, ao fim da série de textos explicativos da benfazeja reforma pretendida com o projeto de lei 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).

5/7/2023

Em continuidade aos textos publicados nas duas últimas semanas, abordam-se os últimos (porém, não menos importantes) aspectos do PL 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que tem como propósito introduzir pontuais (e pertinentes) alterações à Lei da SAF.

Eficácia do regime centralizado de execuções (RCE)

O art. 15 da Lei da SAF estabelece que o clube que adotar o RCE deverá pagar seus credores em seis anos. Surgiram teses a respeito do fluxo de pagamentos dentro deste período. Houve quem ensaiasse afirmar que, desde que respeitado o limite máximo, o devedor poderia liquidar suas obrigações em parcela única, no último dia do prazo. Para afastar construções oportunísticas, pretende-se instituir, com a reforma, o novo §3º, segundo o qual “o pagamento referido no caput deste artigo deverá ser feito mensalmente, com observância do disposto no inciso I do art. 10 desta Lei, exceto se o plano de credores dispuser de modo diverso”. Também se pretende instituir novo §4º para estabelecer que a mensalidade (portanto, o pagamento mensal) equivalerá a, no mínimo, 20% da totalidade das receitas correntes mensais auferidas pela SAF e transferidas ao clube na forma do art. 10, inciso I.

Conversão de crédito detido contra o clube em ações da SAF

A reforma sugerida para o art. 20 organiza os conceitos nele contidos. Já se previa, desde o advento da Lei da SAF, que o crédito contra o clube poderia ser convertido em capital da SAF. Aliás, a Lei das Sociedades por Ações estabelece, no art. 7º, que o capital de uma companhia pode ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. Faltava instituir, porém, procedimento mínimo para conversão, especialmente pelo fato de que clube e SAF não se confundem, e credor do clube não é credor da SAF. De modo que, ao integralizar crédito em SAF, o credor, quando autorizado, levará uma obrigação de terceiro (do clube) para dentro da SAF. Daí o art. 20 prever que “ao credor, titular de crédito contra o clube ou pessoa jurídica original, é facultada a conversão, no todo ou em parte, de seu crédito, em ações de emissão da Sociedade Anônima do Futebol, desde que a conversão e os respectivos critérios sejam aprovados pela assembleia geral de acionistas da Sociedade Anônima do Futebol”. 

Responsabilidade subsidiária

O art. 24 cria uma hipótese excepcional – a única, aliás – de responsabilização da SAF por obrigações do clube. A responsabilidade não nasce com a constituição da SAF; ela somente se apresentará se, cumulativamente, o clube que constituir a SAF adotar o RCE e, no período previsto na Lei da SAF, não quitar as obrigações constantes do plano de pagamento. Ao cabo do prazo de seis ou dez anos, conforme o caso, e somente ao cabo, persistindo obrigações no âmbito do RCE, a SAF passará a ser, a partir daí, subsidiariamente responsável. É o que se estabelece no art. 24: “superado o prazo estabelecido no art. 15 desta Lei, a Sociedade Anônima do Futebol passará a responder subsidiariamente pelas execuções anteriores à sua constituição, que não tiverem sido satisfeitas no âmbito do Regime Centralizado de Execuções, nos limites estabelecidos no art. 10 desta Lei”.

Conflito entre RCE e recuperação judicial

Esse tema surgiu em decorrência da formulação de desistência do RCE, promovida por determinado clube, após o requerimento superveniente de recuperação judicial. No caso, o procedimento ainda era incipiente: não havia plano e nenhum ato fora praticado. Mesmo assim, chegou-se a suscitar que a manutenção do RCE era obrigatória. A convivência dos dois regimes seria caótica. Execuções contra o devedor são abrangidas pela recuperação judicial e se submetem a tratamentos próprios, como o previsto no art. 6º, II da Lei de Recuperações e Falências, que determina, em função do deferimento do processamento da recuperação, a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor. De todo modo, para evitar insegurança em relação ao tema, cria-se, no âmbito da reforma, novo parágrafo ao art. 25, com o seguinte conteúdo: “deferido o processamento da recuperação judicial formulado pelo clube, será automaticamente extinto o Regime Centralizado de Execuções em curso, passando as execuções a se sujeitarem ao disposto na lei referida no caput deste artigo”.

Prazo para instituição do PDE

Aí está mais uma louvável mudança pretendida com a reforma. A Lei da SAF criou o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que objetiva promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação, mediante celebração de convênios entre a SAF e instituições públicas de ensino. O texto atual não fixa prazo para instituição do PDE pela SAF e não prescreve sanção para a SAF que não o instituir. A redação proposta no âmbito da reforma para o art. 28 e seus parágrafos 4º e 5º resolvem o problema: a SAF passará a ter, a partir de sua constituição, 12 meses para celebrar o convênio. Caso não observe o prazo ou, na hipótese de extinção de PDE existente, não celebre novo programa em seis meses, a SAF deverá abandonar o TEF (regime de tributação específica do futebol, criado pelo art. 31 da Lei da SAF).

Conceito de receita mensal

Promove-se, para concluir, uma cirúrgica intervenção no §1º do art. 32, com a finalidade de explicar o que já estava contido no texto original, a fim de evitar, pelos motivos adiantados acima, desgastes e insegurança em relação ao conteúdo normativo. O texto do mencionado parágrafo passa a ser o seguinte: “para fins do disposto exclusivamente no caput deste artigo, considera-se receita mensal a totalidade das receitas recebidas pela Sociedade Anônima do Futebol, inclusive as oriundas de prêmios e programas de sócio torcedor, excetuadas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas, que serão isentas durante o prazo ali previsto”.

Chega-se, assim, ao fim da série de textos explicativos da benfazeja reforma pretendida com o PL 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).  

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.