Meio de campo

Breves comentários à proposta de reforma da Lei da SAF – Parte II

Na coluna de hoje, os advogados Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur, coautores da Lei da SAF, dão continuidade aos comentários à proposta de reforma da Lei, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco.

28/6/2023

Em continuidade ao texto publicado semana passada, abordam-se outros aspectos constantes do Projeto de lei  2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que tem como propósito introduzir pontuais (e pertinentes) alterações à Lei da SAF.

Transparência

O art. 8º, que relaciona informações ou atos que devem ser publicizados pela SAF, ganha três novos incisos. Com eles, a SAF deverá manter em seu sítio eletrônico:  (a) “as atas de assembleia geral, de reunião do conselho de administração, de reunião da diretoria e de reunião do conselho fiscal, sendo autorizada a publicação sem o conteúdo de matérias confidenciais ou que possam ser prejudiciais aos interesses das atividades da Sociedade Anônima do Futebol, observado que, nestes casos, a ata com conteúdo integral deverá ser transcrita no respectivo Livro Social, na forma do art. 100 da lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976”; (b) o nome da pessoa natural que, direta ou indiretamente, exerça o controle ou que seja a beneficiária final de qualquer pessoa jurídica que detiver participação igual ou superior a 5% do capital social da SAF; e (c) os nomes dos acionistas da SAF, com a indicação da quantidade de ações e o percentual de cada. Trata-se de uma elogiável evolução do modelo, que tem como objetivo oferecer mais informação e transparência à sociedade em geral no tocante aos atos praticados pelos dirigentes de times (que, não raro, são trancafiados e submetidos a sigilos incompatíveis com a natureza de negócios realizados) e à identidade de pessoa que detenha, direta ou indiretamente, participação em SAF.

Responsabilidade

A reforma propõe ajustes à redação do art. 9º, que passa a expor, com clareza, o conteúdo que se instituiu desde a origem da Lei da SAF mas que, por interpretações erráticas, foi submetido a tentativas de desvirtuamento de finalidade. A SAF não responde pelas obrigações do clube ou da pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição. Esta é a regra geral. Há exceção, porém: a SAF será responsável pelas obrigações que lhe forem expressamente transferidas pelo clube ou pela pessoa jurídica original nos atos de sua constituição. A transferência somente poderá envolver patrimônio (portanto, direitos e obrigações) relacionado ao objeto social da SAF.

Responsabilidade dos clubes perante credores e fontes de recursos para pagamento de credores

As alterações ao art. 10 reafirmam que o clube ou a pessoa jurídica original é integral e exclusivamente responsável por suas obrigações, que deverão ser liquidadas com receitas próprias (geradas pelo próprio clube), mas, também (e isso já existia), com receitas provenientes da SAF. Estas receitas (oriundas da SAF), poderão advir de: 20% dos valores mensais de qualquer natureza, exceto de natureza financeira, auferidos pela SAF, na hipótese de adoção pelo clube do Regime de Centralização de Execuções (“RCE”); e 50% dos dividendos, dos juros sobre capital próprio e de qualquer outra remuneração ou contrapartida recebida pelo clube ou pela pessoa jurídica original da SAF, na condição de acionista, vendedor, locador, arrendador, cedente de qualquer direito ou prestador de serviços para a Sociedade Anônima do Futebol. Acrescenta-se, assim, uma série de relações jurídicas originadoras de recursos financeiros (como a locação ou o arrendamento) que, ao ingressarem no clube, deverão ser por ele destinados à satisfação de seus credores. A reforma traz mais uma importante novidade, igualmente voltada à geração de receita aos clubes: enquanto o clube ou a pessoa jurídica original permanecer acionista da SAF e registrar em suas demonstrações financeiras obrigações anteriores à constituição da SAF, esta deverá distribuir, como dividendo mínimo obrigatório, em cada exercício social, pelo menos 25% do lucro líquido ajustado conforme o art. 201 da Lei das Sociedades Anônimas. Registra-se, ainda, que a integralidade das receitas e contrapartidas recebidas pelo clube, provenientes da SAF, deverá ser direcionada ao pagamento de credores anteriores à constituição desta, até a integral liquidação de todas as obrigações.

Constrição ao patrimônio ou às receitas da SAF 

Partindo-se da premissa de que o clube é responsável por suas obrigações e que a SAF é uma entidade jurídica autônoma, que poderá contribuir para satisfação dos créditos de credores por via das hipóteses previstas no art. 10 (apresentadas acima), e ainda que o funcionamento da SAF interessa à sociedade em geral pois se tornará um centro de geração de empregos, riquezas e arrecadação de tributos, o art. 12  veda “qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas da SAF, inclusive por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie, com relação às obrigações do clube ou da pessoa jurídica original, anteriores ou posteriores à constituição da SAF”. Essa regra geral não é absoluta e poderá ser afastada em casos patológicos de fraude ou de confusão patrimonial entre SAF e clube (situações verificáveis com base no caso concreto). 

Destinação do RCE 

A Lei da SAF trata apenas da SAF e dos procedimentos de passagem do modelo associativo ao empresarial. Ela não institui mecanismo em benefício de clube (portanto, associação civil) que mantenha sua natureza, inclusive relacionado à adoção do RCE. O novo parágrafo 3º do art. 14 afasta qualquer dúvida (que não deveria ter existido) em relação a isso: “O Regime Centralizado de Execuções se destina apenas ao clube ou à pessoa jurídica original que tiver constituído a Sociedade Anônima do Futebol na forma dos incisos II ou IV do caput do art. 2º.”

Os demais itens da reforma serão abordados no texto final da série, que será publicado na próxima semana. 

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.