Meio de campo

A debênture-fut e novas vias de acesso ao mercado incentivado de capitais para investimento em equipamentos esportivos

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Renato Jabur tratam do decreto 11.498/23, que regulamenta o art. 2º da lei 12.431/11, e aumenta a lista de setores prioritários, sujeitos ao enquadramento no projeto nacional de desenvolvimento da infraestrutura, dentre os quais, os equipamentos culturais e esportivos.

10/5/2023

O recente decreto 11.498/23, de 25 de abril de 2023, pode viabilizar novos e eficientes mecanismos de financiamento para o futebol, e atenua - ainda que parcialmente - um equívoco histórico.

Isto pois o Projeto de Lei 5.516/19, que deu origem à Lei da SAF, previa a criação da debênture-fut, valor mobiliário destinado ao financiamento da atividade futebolística. A debênture-fut resistiu, na íntegra, ao processo legislativo. O texto foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e por ampla maioria na Câmara dos Deputados.

Desse modo, os "rendimentos decorrentes de aplicação de recursos em debênture-fut [sujeitar-se-iam] à incidência do imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte, às seguintes alíquotas: I – 0% (zero por cento) quando auferidos por pessoa natural residente no País; e II – 15% (quinze por cento) quando auferidos por pessoa jurídica ou fundo de investimento com domicílio no País, ou por qualquer investidor residente ou domiciliado no exterior (...)".

Pretendia-se, com a debênture-fut, criar um mercado de emissões e negociações secundárias, para estimular o desenvolvimento do futebol no país.  

Apesar da passagem pelas duas casas legislativas, a iniciativa foi vetada pela Presidência da República. Alegou-se, em fundamento do veto, que a estrutura de tributação da debênture-fut implicaria suposta renúncia fiscal, em face de regime tributário beneficiado. Isto, porém, não era realista, pois jamais esteve contemplada em orçamento qualquer previsão de arrecadação de tributos incidentes sobre emissões, no mercado de capitais, de títulos relacionados ao futebol. A perspectiva arrecadatória, aliás, nascia justamente com a Lei da SAF.

Perdeu-se, ali, uma oportunidade histórica para estimular o surgimento de relações jurídicas que, ademais, sob o prisma puramente fiscalista, fomentariam atividades e relações econômicas, atraindo a incidência da norma tributária e gerando efetivo aumento, isto sim, da arrecadação.

Aquela perspectiva, apesar de reformulada, voltou à pauta, com a publicação do decreto 11.498/23.

O decreto 11.498/23 alterou o decreto 8.874, de 11 de outubro de 2016, que instituiu, com base no art. 2º da lei 12.431/11, setores prioritários, sujeitos ao enquadramento no projeto nacional de desenvolvimento da infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Os setores originalmente considerados foram: logística e transporte; mobilidade urbana; energia; telecomunicações; e radiodifusão.

Com o advento do decreto 11.498/23, foram acrescentados os seguintes novos setores: equipamentos culturais e esportivos; saneamento básico; irrigação; educação; saúde; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos e unidades de conservação; habitação social; e requalificação urbana.

O enquadramento sujeitará os rendimentos auferidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes no País à incidência do imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte, às seguintes alíquotas: I - 0% (zero por cento), quando auferidos por pessoa física; e II - 15% (quinze por cento), quando auferidos por pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado, ou por pessoa jurídica isenta ou optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES).

Apesar de o Estado insistir em não incluir o esporte (em especial o futebol) na lista de setores prioritários, reconheceu-se esse tratamento a equipamentos esportivos, consistentes em espaços ou construções destinadas à prática do esporte. Neste conceito se enquadram estádios, arenas, centros de treinamento e outros com finalidades análogas.

A solução não atende de modo pleno às necessidades de desenvolvimento da atividade futebolística no país, pois, em muitos casos, certos (ou diversos) times, que passarem a ser organizados por meio de SAF, demandarão, mais do que recursos para emprego em equipamentos esportivos, financiamentos para renegociação e pagamento de dívidas caras, melhoria de plantel e outras destinações não inseridas no conceito de equipamentos.

Mesmo assim, a nova regulamentação poderá viabilizar investimentos relevantes, com eventuais efeitos transformacionais e de impacto, em entidades que se revelem enquadráveis.

Será o caso, para citar um exemplo, do São Paulo, que poderá empreender a reforma do Morumbi – tema que vem sendo tratado na imprensa –, com recursos oriundos de captação incentivada. Ou do Sport, cujo projeto de revitalização de seu estádio também costuma ser noticiado na mídia. Ou ainda do Coritiba, atualmente envolvido em operação de SAF que engloba, segundo informações públicas, robusto investimento em estádio.

Importante: o clube, constituído sob a forma de associação, não poderá emitir debênture incentivada de equipamento esportivo, pois o art. 2º da lei 12.431/2011 vincula a emissão à constituição de sociedade de propósito específico, organizada sob a forma de sociedade por ações, que poderá ser uma SAF, por força do art. 1º, §2º da Lei da SAF, que admite a inclusão, no objeto social, da seguinte atividade: exploração econômica de ativos, inclusive imobiliários, sobre os quais detenha direitos.

Enfim, o decreto 11.498/23 poderia ter reparado um equívoco histórico, com o reconhecimento da relevância e da prioridade do esporte e do futebol para o desenvolvimento social e econômico da Nação; não o fez e não adianta, agora, reclamar pela parte vazia do copo.

Pois, sim, uma parte está cheia e, a partir dela, times e investidores poderão estruturar projetos viabilizadores de captações mais baratas e do seu emprego em equipamentos esportivos – que poderão, a exemplo do que ocorreu com a construção da arena do Palmeiras, marcar o início de novas eras em suas histórias.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.