Meio de campo

Mais uma vez, sobre Daniel Alves – e o acerto de Tite

O tempo deverá, nas próximas semanas, coroar ou maldizer Tite pelas suas decisões.

16/11/2022

Daniel Alves não precisa provar nada para ninguém, apesar de os Tribunais das Redes Sociais tentarem condená-lo ou diminuir sua importância. Trata-se do jogador mais vitorioso da história.

Sim, ele não foi, em nenhum dos títulos que conquistou (ou quase em nenhum), o condutor principal. Mas não há nisso demérito, até porque, como lateral, não se esperava dele essa função. Sempre foi a peça certa de engrenagens que, invariavelmente, apoiavam-se em suas funções.

Aliás, já escrevi sobre o jogador, em uma série de textos em que demonstrava o covarde processo de linchamento público a que foi submetido no São Paulo, com o propósito de fundamentar o fim de seu ciclo no clube.

Foi por este time, não se deveria esquecer, que ele assumiu funções que não eram as dele – meio-campista, capitão e líder – e as exerceu com dignidade, apesar de todos os problemas de um clube corroído pela politicalha interna – o qual, outrora ganhador, não conquistava um título desde 2012. Daniel Alves participava de todos os jogos, não pedia para ser substituído apesar da idade mais avançada que os demais, colocava a cara à tapa e não fazia corpo mole, mesmo sendo desrespeitado pelo não pagamento da remuneração a que tinha direito.

Não fossem os gols inacreditavelmente (imperdíveis) perdidos em Porto Alegre por Brenner e Luciano, com passes milimétricos de Daniel Alves, contra o Grêmio, por ocasião da semifinal da Copa do Brasil de 2020; e/ou também não fosse, mais relevante de tudo, o desastroso processo (ou falta dele) de transição imposto pela atual diretoria, eleita com um time virtualmente campeão brasileiro, mas que não soube (ou talvez não tenha pretendido) conduzir o elenco, formado por outro presidente, à redenção; a percepção sobre Daniel Alves se alinharia ao seu verdadeiro tamanho.

Deixe-se, porém, o passado.

Antes de decidir-me pela escrita deste texto, procurei ler e ouvir os principais comentaristas esportivos – inclusive porque navegarei por águas turbulentas.

Deparei-me, inicialmente, com um cenário quase Rodriguiano: a indignação pela convocação de um vencedor ecoava em quase uníssono. Acho que apenas em Tostão e Victor Birner encontrei dissidência – devo ter deixado alguém de fora, de modo não intencional. E foi no segundo que emergiram, do ponto de vista técnico, as palavras que me pareceram mais sábias.

Apontou Victor Birner que a seleção tem diversos atacantes, sem dúvida qualificados, que atuam pelas pontas.

Em jogos catimbados e fechados, marcados pela obstrução dos espaços laterais, pelos quais esses jogadores transitam, Tite poderá precisar de alternativa que saiba, vindo de trás, abrir clarões e surpreender pelo meio, e assim romper barreiras criadas em momentos adversos.

Daniel Alves oferece, talvez como ninguém, essa perspectiva, e se apresenta como uma solução técnica única, não encontrável em outros jogadores da posição.

Foi além o jornalista: num evento rápido, nervoso e decidido, não raro, pelos detalhes, como a Copa do Mundo, Daniel Alves, mesmo não sendo o líder grupal (que não sei de onde se cobra isso dele), poderá cumprir outra função, tão importante quanto aquela: a de para-raios.

Num país em que sua população, talvez influenciada pelas mentiras e manifestações raivosas que se impregnam por todos os níveis, poderá ser implacável, durante o percurso, com uma palavra mal-empregada, um gesto inadequado ou uma partida insatisfatória de algum dos protagonistas (todos erram, não se pode esquecer disso, jamais!), pode-se apostar: ali estará a pessoa que poderá contribuir para rearrumar o ambiente.

Para concluir, Victor Birner ainda indicou que, desde que findou a temporada no México, Daniel Alves vem treinando, no Barcelona B, com um e apenas um foco: estar pronto, física e mentalmente, para um evento, como se sabe, curto e intenso. Ele definitivamente estará preparado para encarar o desafio.

Não se pode esquecer, a propósito, da confiança depositada em jogadores em situações ainda menos evidentes, e que não apenas honraram suas histórias e a engrandeceram, como Branco, por ocasião da Copa de 1994.

A todos esses argumentos, apresentados por um especialista, ouso acrescentar mais cinco, que podem ser imputados à conta da paixão: (i) a escolha de Daniel Alves, ademais, não significa a prática de alguma injustiça pois não há, em atividade, um preterido que esteja voando e fosse uma escolha óbvia ou necessária, com atuação no Brasil ou no exterior; (ii) o escolhido é experiente, não costuma sentir a pressão em jogos grandes e conhece ou já enfrentou parte relevante dos adversários; (iii) ele não deverá ser titular – assim como não seria o seu eventual substituto – o que amainaria a preocupação com o suposto e incorreto problema de falta de ritmo; (iv) é um vencedor, o maior de todos os tempos, e recentemente mostrou sua afinidade com a seleção, ao sagrar-se campeão olímpico; e (v) ao que parece, tem muito bom entrosamento com o elenco, em especial com seus principais protagonistas, como Neymar.

O tempo deverá, nas próximas semanas, coroar ou maldizer Tite pelas suas decisões. Como torcedor e, mais do que isso, um cidadão que vê no futebol um instrumento de desenvolvimento social e econômico, e na seleção um soft power poderosíssimo, a ser exercido independentemente da corrente política conjunturalmente predominante, espero – e torço – para que ele confirme seu acerto.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.