Juca Kfouri escreveu em seu blog que Pelé é o "brasileiro mais importante da nossa história e o mais conhecido pelo mundo afora".
Nessa opinião se revela a importância intrínseca do futebol, não apenas no plano esportivo, mas também no social e no econômico.
E é isso mesmo, como, em meu entendimento, afirmou certa vez Diego Lugano, o capitão da Seleção Uruguaia em duas copas do mundo: em países marcados pela intensa desigualdade, como os sul-americanos e os africanos, o futebol se revela, para milhares de pessoas e famílias, a única esperança de inserção e prosperidade.
Daí a incompreensão com o desprezo do Estado e de Governos em relação à modalidade. Não à toa o atual posicionamento do Brasil no mercado mundial: exportador de pé-de-obra.
Pé-de-obra que, lá fora, passa por processo de ambientação para, depois, ser comercializado com enorme excedente financeiro aos agentes e intermediários que em nada contribuem para o desenvolvimento da Nação; ou para vagar em centros de menor expressão, se não responder às expectativas eventualmente legítimas do comerciante.
Paradoxalmente, o futebol se tornou, com o desenvolvimento de novas tecnologias e vias de acesso à informação, a mais global e intensa atividade de entretenimento. Não era assim nos tempos de Pelé; fato, aliás, que reforça a grandiosidade de seu feito.
Pelé foi – e talvez ainda seja – o mais importante soft power do país. Assim como alguns de seus sucessores também o foram (e são) – um deles, Ronaldo, recentemente reverenciado no plano esportivo, com razão, pelo francês Karim Benzema, por ocasião da entrega da Bola de Ouro deste ano de 2022.
Nenhum artista ou esportista, de qualquer setor de atuação, alcançou, interna ou externamente, de modo individual, a proeminência de Pelé. Aliás, nenhum brasileiro, a despeito de sua área de atuação.
Pelé, apesar de sua passagem pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, não se notabiliza por uma atuação política. A coisa pública parece não ter sido sua principal preocupação – posso estar errado e, inclusive, adorarei, se estiver.
Ele deveria ter agido de outro modo? Assumido bandeiras, liderado movimentos, participado de debates políticos e atendido às exigências ideológicas de cada um de seus fãs?
Se o fizesse, talvez deixasse de ser Pelé, e se revelaria, como afirmava lindamente o pai de Juca Kfouri (segundo o próprio jornalista), um Deus.
De todo modo, é muito fácil tecer críticas ou sugerir formas de atuação no lugar de outra pessoa, assumindo-se que, na posição dele, far-se-ia de maneira diferente. Essa tentativa carrega em si alguns problemas insuperáveis (e despropositados).
Cada pessoa sabe o que passou – esforços, dificuldades, tristezas, alegrias, medos, falta de recursos, sorte etc. – para firmar-se profissionalmente e, em especial, como ídolo de determinada atividade. E, em casos raros, para tornar-se uma referência mundial. Ademais, para essa pessoa, a causa pública talvez jamais tivesse sido uma preocupação – como não é, para parcela relevante da população.
Isso diminui, no caso, Pelé como ídolo e maior esportista (não apenas futebolista) da história planetária? Não. Ele continua sendo o maior.
Por outro lado, o credencia como o maior brasileiro? Também entendo que não, pelos efeitos que sua existência causou (ou deixou de causar) para o povo em geral.
E o motivo é relativamente óbvio: para concorrer a tal posto, a pessoa haverá de ter, como propósito de vida, ao lado de eventuais características esportivas ou artísticas quase divinas, justamente o bem-estar do povo, em geral.
Esse é o ponto de partida, mas não condição suficiente; pois, além de sentir ou idealizar, haverá, sobretudo, de realizar, e com a realização, transformar.
Transformação, em ambientes ainda marcados pelas feridas da sociedade elitista e escravocrata, como o brasileiro, implica redução de desigualdades, inserção, desenvolvimento social e econômico, e afirmação de uma Nação, apesar das diferenças regionais e geográficas (dentre outras).
Por isso que, não raro, ídolos esportivos ou artísticos de países pobres se lançam em carreiras públicas, para, a partir delas, imporem-se como líderes (e, ao menos no discurso, como transformadores). É o caso do ex-jogador de futebol George Weah, atual presidente da Libéria.
Lula – que poderia ser definido como humanista e pragmático –, apesar de não ter sido jogador ou cantor, é o brasileiro que, pela sua história e lutas, mais se dedicou à construção de uma sociedade menos desigual.
É um santo? Óbvio que não.
Errou em sua passagem pela presidência? Sim, e não há dúvida em relação a isso.
Acertou? Muito mais do que errou, e seus acertos, se tivessem o mesmo tempo da imprensa e atenção das mídias sociais que os seus erros, talvez (ou certamente) o colocassem no topo da lista dos brasileiros mais importantes da história.
Não custa lembrar, conforme a Manifestação de Apoio às Liberdades, emitida domingo p.p. (dia 23.10), pelo Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), que "os erros e acertos fazem parte do sistema e das instituições, na mesma medida que fazem parte da essência da pessoa humana".
Lula dá sinais inequívocos de que, se eleito, não cometerá os mesmos erros – próprios ou de seus comandados –, e, mais do que isso, de que irá para seu grande e último capítulo público, com o propósito de reforçar e ampliar os seus acertos, em benefício, e não há como negar, do povo em geral, e não do seu partido.
Isso, é muito importante frisar, como ele próprio frisou em discurso proferido segunda p.p. (dia 24.10), na PUC/SP, sem abandonar a responsabilidade econômica e fiscal.
A própria indicação para vice-presidência da chapa de um histórico e elogiável líder de centro-direita, Geraldo Alckmin, e o papel que ele vem exercendo desde então, reforçam, em minha opinião, a sinceridade e a grandiosidade das intenções de um brasileiro que deveria ter a chance de, não apenas reparar seus erros (inclusive mediante a formulação e a afirmação de política de Estado para transformar o futebol brasileiro no maior soft power do planeta), mas, sobretudo, de resgatar, intensificar e multiplicar seus inegáveis acertos.
Será, assim, Lula o brasileiro mais importante da história?
A resposta cada um de nós dará após a nova oportunidade que o povo deveria – ou deverá – conferir-lhe; assim como cada um poderá afirmar, ou não, que Pelé foi – ou é – o maior atleta da história.