Entra eleição, sai eleição, e o futebol continua a ser ignorado.
Não vale, como afirmação de interesse, os constantes aparecimentos do Presidente Lula vestido com casacos de seu time preferido, em eventos públicos. Isto indica, apenas, uma paixão pessoal.
Vale menos ainda a presença do Presidente Bolsonaro em partidas de times que não são o seu, paramentado com a respectiva camisa esportiva para atrair simpatia de torcedores. Trata-se, apenas, de oportunismo.
O desprezo histórico, sob a ótica da estrutura do esporte, não foi e não é privilégio dos atuais contendores; ele se identifica em todos os candidatos relevantes de todas as eleições presidenciais, desde a redemocratização do país.
É verdade que se encontram, nos programas de governo de praticamente todos eles, capítulos dedicados ao esporte; e, eventualmente, ideias abstratas, áridas ou demagogas dirigidas ao futebol.
Nada que tenha (ou tivesse) alguma efetividade – o que se revela não por opiniões teóricas, mas pela constatação empírica do estado patrimonial, financeiro e econômico da quase totalidade dos clubes brasileiros.
Daí a conclusão: o futebol, a despeito do envolvimento, com maior ou menor intensidade, de parcela majoritária da população – algo em torno de 140 milhões de pessoas -, não atrai interesse político.
Curioso, realmente curioso, pois o contingente é maior do que o número de pessoas que se deslocou, por exemplo, para participar do atual pleito presidencial.
O descaso, pois se trata mesmo de descaso, contrasta com a preocupação transformada em ação em diversos outros países.
Os Estados Unidos da América associam o profissionalismo à atuação universitária, e estimulam a criação de indústrias universais do entretenimento; os Europeus, como a França, promovem programas de estudo-esporte, para incentivo de carreiras esportivas; a China incorpora o desenvolvimento de modalidades, dentre elas o tênis de mesa (dentre muitas outras), em programas de Estado.
Nenhuma dessas potências, porém, domina, na escala do Brasil, a formação de futebolistas – que permanecem desprezados pelo Poder Público.
Aliás, de certa forma, a geração de jogadores ocorre de maneira espontânea, sem, na origem, a intervenção de entidades privadas ou públicas. Elas se aproveitam, posteriormente, do talento inato para, aí sim, lapidá-lo e, tempos depois, comercializá-lo, sob a lógica cada vez mais colonialista das negociações futebolísticas.
O Brasil tem todos os elementos de uma indústria que os países hegemônicos pretendem ter – e para isso empregam meios contemporâneos de apropriação, como já se fez, no passado, com o pau-brasil, o ouro, o diamante, o café, a borracha etc.
Não se trata de ufanismo às avessas; portanto, de teoria conspiratória.
Apenas, mais uma vez, de observação da realidade, evidenciada pela quantidade de negócios envolvendo jogadores brasileiros – aproximadamente 11% de todos os ocorridos no planeta – e pela distribuição, lá fora, da mais-valia obtida nas negociações subsequentes.
Não apenas isso: também pela constatação de que, apesar do recente advento da Lei da SAF - que, pouco mais de um ano após sua promulgação, já começa a transformar a realidade dos times locais -, nenhum candidato se presta a compreender o fenômeno e, a partir dele, defender ações que contribuam para o desenvolvimento econômico e social da Nação.
Lembre-se: a Lei da SAF afirmou-se como via de salvação de um clube popular de Minas Gerais, o Cruzeiro, e já se revela, no mesmo sentido, o caminho de seu principal rival, o Atlético, que mandatou uma grande instituição financeira para coordenar sua operação.
No Rio de Janeiro, Botafogo e Vasco da Gama, duas das principais forças, seguiram a mesma trilha, e boatos indicam que o Fluminense pode ter, no futuro, destino semelhante.
O Bahia também se aproveitou do sistema para atrair, nada mais, nada menos, que o Grupo City e, assim, projetar-se não apenas no plano local, mas internacional.
E o Athletico Paranaense, exemplo de resiliência, competência e sucesso, foi atrás de uma instituição internacional para comandar a atração de investidor para afirmar-se como um dos principais times da América.
Esses exemplos demonstram (i) que se carecia de uma legislação adequada à percepção da relevância da atividade e, lamentável e fundamentalmente, (ii) inexistia política pública aderente à realidade das gentes que não têm suas vidas afetadas ou melhoradas por jingles utópicos de campanha, mas sonham com a mudança de suas duras realidades (ou de seus familiares), por meio do futebol.
Lula, o brasileiro que, na história do país, mais compreendeu e compreende as necessidades das pessoas desfavorecidas (portanto, do povo), e Bolsonaro, que, apesar de nada ter contribuído ou feito pela Lei da SAF (os créditos, no plano político, devem ser atribuídos ao autor da lei, senador Rodrigo Pacheco, e ao relator no Senado Federal, Senador Carlos Portinho), a promulgou, não perceberam que os efeitos visíveis dessa iniciativa representam a pontinha de um iceberg de proporções colossais, nos planos econômico e social, e a depender dos encaminhamentos que se façam, também educacional.
Fica aqui, pois, uma proposta: nos dias que se seguirão, e sobretudo nos debates que se promoverão, que se deixem de lado, ao menos por algum instante, os ataques pessoais e se discutam as bases e os instrumentos de fortificação do novo ambiente do futebol que, de irrelevante ou alienante, nada tem – como quer fazer crer o cartolismo, justamente para manter o poder sobre uma riqueza que pertence aos brasileiros.