A CBF emitiu, em 18 de janeiro de 2022, o Ofício CBF 246/2022 ("Ofício 1"), direcionado aos presidentes de federações estaduais, em que trata, dentre outros temas, da constituição da sociedade anônima do futebol ("SAF").
O item 1 do Ofício 1 estabelece que, nos termos do art. 2º da Lei da SAF, a SAF pode ser constituída conforme as seguintes modalidades:
- Modalidade 1: pela transformação do clube original em SAF;
- Modalidade 2: pela cisão do departamento de futebol do clube original e transferência do seu patrimônio e direitos relacionados à atividade do futebol; e
- Modalidade 3: pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento de criar uma SAF.
No Ofício 1 se aponta, ademais, que: a constituição de SAF com base na Modalidade 3 seguirá os padrões de cadastro no sistema de registro de um novo clube; na Modalidade 1, a inscrição do clube transformado será a mesma da SAF, com a manutenção do código existente de inscrição no sistema Gestão WEB; e, no caso da Modalidade 2, promover-se-á nova inscrição em nome da SAF, além da inativação do cadastro do clube que a constituiu, para qualquer categoria.
O Ofício 1 também orienta sobre as taxas incidentes em decorrência da constituição da SAF: isenção, para Modalidade 1; o dobro da taxa devida para os casos de profissionalização de clube, para Modalidade 2; e a mesma taxa cobrada para cadastro de novo clube, para Modalidade 3.
Em relação aos registros de atletas e treinadores, informa-se, ainda, que, nas Modalidades 1 e 3, não se promoverá transferência porque, na primeira, a SAF se manterá na mesma inscrição existente e, na terceira, o ato de inscrição será originário. Para Modalidade 2, considerando que a SAF terá nova inscrição, aí se passa a exigir a "alteração nos instrumentos contratuais registrados no sistema Gestão Web, mediante celebração e registro de novos instrumentos entre atletas e o novo empregador", qual seja, a SAF.
Importante: determinava-se, também, que o processo aplicável à Modalidade 2 somente poderia se realizar em período em que o clube não estivesse disputando competição nacional. Isso, na prática, implicava a fixação de janelas, ao longo do ano, para que um clube pudesse efetivar a constituição da SAF, no âmbito daquela Modalidade.
Por fim, indicava-se que a transferência do certificado de clube formador para a SAF estaria condicionada à emissão de declaração de manutenção de mesmas condições e estruturas apresentadas por ocasião do processo original de certificação.
Meses após a emissão do Ofício, a CBF emitiu, em 29 de junho de 2022, o novo Ofício CBF 3205/2022 ("Ofício 2"), contendo esclarecimentos complementares sobre a constituição de SAF.
O principal motivador do Ofício 2 consiste no afastamento da restrição, prevista no Ofício 1, para constituição de SAF durante a realização de competição nacional de que o clube constituinte participasse.
Admitiu-se, então, o início do "processo de sucessão esportiva, em qualquer momento da temporada, desde que devidamente registrada a transformação ou a constituição formal da SAF, em qualquer das modalidades 1, 2 ou 3, mediante requerimento protocolado junto à DRT-CBF, por meio da respectiva Federação filiada".
O Ofício 2 também estabelece, dentre outros temas (que não são abordados neste texto), que a sucessão esportiva não implicará – como de fato não deveria mesmo implicar – a "apreciação ou qualquer responsabilidade da CBF acerca do conteúdo dos atos constitutivos da SAF e/ou processo que autorizou a criação da SAF e efetivou a integralização de direitos (...)".
Por fim, o Ofício 2 traz nova e relevante orientação, referente à afirmação da sucessão da SAF em "todos os procedimentos em curso, seja no polo ativo ou polo passivo, junto a quaisquer dos órgãos judicantes previstos no Estatuto Social da CBF, podendo inclusive o clube sob forma de SAF ser sancionado por qualquer descumprimento do clube original de decisões ou obrigações".
Sobre essa imputação de sucessão, tratar-se-á oportuna e futuramente.
Por ora, abordam-se, apenas, (i) o tema do rol de modalidades de constituição de SAF previsto nos dois Ofícios e (ii) o entendimento implícito a respeito do conceito de cisão que vem sendo adotado pela CBF no âmbito de constituição de SAF.
No que toca ao rol de modalidades constitutivas, a Lei da SAF lista no art. 2º, com efeito, as três modalidades previstas nos Ofícios; mas também reconhece, ademais, no art. 3º, uma quarta modalidade, consistente no drop down (ou transferência de patrimônio do clube para uma SAF, sem que se opere a cisão da transferidora, ou seja, do clube). Lembre-se, a propósito: a cisão é uma espécie de operação societária tipificada e sujeita a normas específicas, previstas na Lei das Sociedades por Ações.
A existência dessa quarta modalidade, no âmbito da Lei da SAF, que consiste, aliás, no caminho que vem sendo adotado pelos clubes brasileiros – como Cruzeiro e Botafogo –, também está consolidada, no plano infralegal, na Instrução Normativa DREI/ME 112, de 20 de janeiro de 20221.
Isso não significa, do ponto de vista prático, que a CBF esteja rejeitando e afastando a quarta modalidade – algo que não poderia fazer, aliás, porque prevista e decorrente de lei federal.
Mas parece indicar que ela (a CBF) entende que o termo cisão, aplicado à Modalidade 2, aplica-se tanto à cisão societária (na forma da Lei das Sociedades por Ações), quanto à modalidade que se chamará, aqui, de cisão atípica, consistente, nos termos do art. 3º da Lei da SAF, na possibilidade de integralização, pelo clube, de "sua parcela ao capital social na Sociedade Anônima do Futebol por meio da transferência à companhia de seus ativos (...)".
Esta conclusão se evidencia do seguinte fato: de todas as principais SAFs constituídas até o momento, nenhuma resultou de cisão societária, mas por via do drop down (isto é, por cisão atípica).
Apesar de os Ofícios estarem servindo, explícita e implicitamente, para orientação dos agentes esportivos e investidores envolvidos em operações de constituição de SAF, a CBF poderia, apenas para fins de esclarecimento – e para oferecer total segurança sistêmica –, promover a edição de orientação complementar, a fim de indicar que os procedimentos e reflexos relacionados à Modalidade 2 se aplicam tanto à cisão societária (art. 2º da Lei da SAF), quanto ao drop down (ou cisão atípica), na forma do art. 3º.
A CBF, com isso, reforçaria a sua benfazeja atuação orientadora e normativa, no âmbito de suas competências, na formação do novo sistema instituído pela Lei da SAF.
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1 A constituição da Sociedade Anônima do Futebol poderá ocorrer por um único acionista. Nos termos do art. 2º da lei 14.193, de 2021, sem prejuízo de outras modalidades constitutivas, a SAF pode ser constituída pela: I - conversão do clube ou transformação da pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol; II - cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; ou III - iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento. Por sua vez, conforme prevê o art. 3º da mesma lei, uma SAF pode ser constituída, ainda, mediante o recebimento da transferência do clube ou da pessoa jurídica original de seus ativos, tais como, mas não exclusivamente, nome, marca, dísticos, símbolos, propriedades, patrimônio, ativos imobilizados e mobilizados, inclusive registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua repercussão econômica. Nessa hipótese, o clube ou a pessoa jurídica original irá constituir uma SAF e transferir-lhe patrimônio para integralização do capital subscrito, nos moldes do art. 27, § 2º da lei 9.615, de 1998.