Dando continuidade ao texto publicado semana passada neste mesmo espaço ("Parte 1"), reproduzem-se outras perguntas que surgem com frequência desde o advento da Lei da SAF, para as quais serão apresentadas, adiante, as respectivas respostas. A numeração das perguntas seguirá a ordem exposta na Parte 1, para que, ao final da série, tenha-se uma coletânea sequencial que facilite a compreensão do tema – e da Lei.
O que é um clube-empresa?
R: O clube-empresa é um conceito derivado da Lei Zico (Lei 8.672/93), posteriormente reforçado na Lei Pelé (Lei 9.615/98), e que persiste, impropriamente, no sistema. Um clube, por sua natureza, jamais será uma empresa, e uma empresa não será um clube (sob pena de desvio de finalidade). O clube tem natureza associativa, recreativa e não econômica; não distribui, assim, seus excedentes – o lucro – aos associados. A empresa, ao contrário, tem como finalidade uma atividade econômica e, por essência a distribuição de lucros aos seus sócios. A expressão clube-empresa, mesmo após a Lei da SAF, contribui para confusão que se faz no ambiente esportivo – e que se pretende esclarecer nas respostas aos itens seguintes.
A SAF é um clube-empresa? Se a resposta for negativa, qual a natureza da SAF?
R: Não, a SAF não é um clube-empresa. A SAF é um subtipo de sociedade anônima (ou de companhia). Ela é regida pela Lei 14.193/21 (a Lei da SAF), que lhe estabelece uma série de regras específicas (e incontornáveis), aplicáveis apenas à SAF – e a nenhum outro tipo de sociedade ou associação. Ademais, a SAF também é regida, de modo complementar, em relação aos aspectos não abordados na própria Lei 14/193/21, pela Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76). Assim se construiu um modelo inovador (sem precedentes no Brasil ou no exterior), que (i) oferece técnicas e instrumentos próprios para a organização da empresa futebolística, previstos expressamente na Lei da SAF e, em relação aos seus demais aspectos de funcionamento, (ii) aproveitam-se as quase cinco décadas de formação e afirmação da doutrina e da jurisprudência envolvendo a Lei 6.404/76.
Quantos regimes jurídicos existem, no Brasil, para organização da atividade futebolística?
R: Há 3 regimes distintos. O mais antigo – cujas origens remetem ao século retrasado – consiste na organização da atividade por intermédio de uma associação (ou clube), que se rege pelos artigos 53 e seguintes do Código Civil. A associação é constituída pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos.
Desde a década de 1990, introduziu-se no país o conceito de clube-empresa. Ele decorre de um comando formal, previsto na Lei Pelé, para que um clube (i) “vire” uma empresa ou (ii) constitua uma empresa. No primeiro caso, troca-se a natureza da pessoa, de modo que o clube (ou associação) desaparece e, em seu lugar, surge uma empresa, conforme desenho abaixo:
No segundo, o clube continua a existir e passa a ser sócio de uma empresa criada pelo próprio clube, conforme se indica a seguir:
Essa empresa (ou clube-empresa, conforme expressão que se repete) se sujeita ao regime jurídico aplicável ao tipo de sociedade escolhido pelo clube na constituição. Portanto, se for uma sociedade limitada, o regramento estará contido no Livro II – do Direito de Empresa, integrante do Código Civil; se for uma sociedade anônima, a regência será ditada pela Lei das Sociedades por Ações.
Com o advento da Lei da SAF, surge uma terceira via organizacional da atividade do futebol. Ao optar por ela, as regras que lhe são próprias não podem ser afastadas – assim como não podem ser aproveitadas pela associação sem fins econômicos ou pelas empresas "ordinárias", constituídas conforme regras aplicáveis a qualquer empresário.
Qual a vantagem da Lei da SAF?
R: Pela primeira vez, desde a Constituição de 1988, concebeu-se no país uma lei para criar um sistema sustentável e atrativo para os agentes que integram o ambiente do futebol (clubes, investidores, atletas, patrocinadores etc.). Nesse sentido, a Lei da SAF não tem como propósito apenas o estabelecimento de um comando formal para que clubes passem do modelo associativo ao empresarial, como se fez com as Leis Zico e Pelé – e que justificam, em parte, os respectivos insucessos.
A SAF é o núcleo de um sistema formado por outros instrumentos, previstos na Lei da SAF, que a viabilizam econômica, patrimonial, social e esportivamente. Sua concepção envolve governação, controle, compliance, financiamento, tributação, reorganização de passivos e inserção no mercado e inclusão social. Somente a SAF – com exclusão de todos dos demais tipos societários e associativos – poderá se organizar e se aproveitar, em sua integralidade, do conteúdo da Lei da SAF.
O acionista controlador de uma SAF poderá deter participação em outra SAF?
R: Não. A proibição está prevista no art. 4º da Lei da SAF. Lá se estabelece que o acionista controlador individual ou o controlador que atinja essa posição por meio da celebração de um acordo de controle, não poderá participar de outra SAF. A proibição envolve não apenas a participação direta, mas também a indireta, hipótese em que se interpõe uma ou mais empresas entre o investidor e a SAF, para evitar a incidência da norma.
E o acionista investidor minoritário de uma SAF, portanto, que não a controle, poderá participar do capital de outra SAF?
R: Sim, porém se sujeitando às restrições previstas na Lei da SAF. Por exemplo, o acionista que detiver 10% ou mais do capital votante de uma SAF, e desde que, com este pequeno percentual, não a controle, poderá participar de outra SAF, mas não poderá se manifestar nem votar nas assembleias gerais. Também não poderá participar das administrações, direta ou indiretamente. Pretende-se, como essas normas, evitar situações conflituosas.
A Lei da SAF criou algum instrumento de verificação da identidade do investidor da SAF?
R: Sim. Quando o investidor for pessoa jurídica e detiver participação igual ou superior a 5% do capital social da SAF, deverá informar à SAF e à entidade nacional de administração do esporte – portanto, à CBF –, o nome, a qualificação, o endereço e os dados de contato da pessoa física que, direta ou indiretamente, exerça o seu controle ou que seja a beneficiária final do investimento.
A Lei da SAF prevê alguma sanção ao investidor pessoa jurídica que não revelar a identidade do controlador ou do beneficiário final?
R: Sim. Enquanto não cumprir o dever de informar, a pessoa jurídica investidora terá seus direitos políticos suspensos e os eventuais dividendos ou outros pagamentos que lhe forem declarados serão retidos até o cumprimento desse dever de transparência.
Outras dúvidas, ainda não abordadas na Parte 1 ou neste texto, serão apresentadas – e respondidas – nas colunas seguintes.