O art. 20 da lei 14.193/21 ("Lei da SAF" ou "Lei Rodrigo Pacheco") prevê que "ao credor, titular do crédito, é facultada a conversão, no todo ou em parte, da dívida do clube ou pessoa jurídica original em ações da Sociedade Anônima do Futebol ou em títulos por ela emitidos, desde que previsto em seu estatuto".
Essa solução apresenta alguma semelhança com o conteúdo da Lei de Recuperação de Empresas; mas há uma diferença fundamental: enquanto esta regula a conversão de crédito detido contra o próprio devedor, a Lei Rodrigo Pacheco versa sobre a conversão de crédito em capital de terceira pessoa, a SAF, que não é devedora e que não se confunde com o clube (que é o devedor do titular do crédito).
Do pondo de vista do credor, a conversão é uma faculdade, e não um dever. Caso pretenda promover a conversão, deverá, contudo, negociar e obter a aprovação dos acionistas da SAF, reunidos em assembleia geral, que não estão obrigados a aceitar o ingresso do credor, na posição de novo acionista – e, sobretudo, a concordar com a consequente diluição de suas posições.
A consumação da conversão dependerá, portanto, da convergência de vontades do credor e dos acionistas da SAF.
Ademais, a possibilidade de conversão deverá estar expressamente prevista no estatuto da SAF. A previsão poderá constar desde a sua constituição ou decorrer de reforma estatutária posterior, deliberada pela assembleia geral na forma da Lei 6.404/76. Não se trata, portanto, de uma exigência de origem, mas que poderá ser introduzida, a qualquer momento, pelos acionistas, desde que observem os procedimentos legais.
De todo modo, reforça-se que a previsão estatutária não significa que a conversão se operará automaticamente; ela serve apenas como indicativo de que terceiro poderá, eventualmente, capitalizar na SAF crédito detido contra o clube.
A conversão poderá resultar na alteração do controle da SAF, que se caracteriza pela conjunção da (i) titularidade de direitos de sócio que assegurem ao acionista, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações assembleares e o poder de eleger a maioria dos administradores da SAF; e do (ii) uso efetivo do poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
O clube, nesse caso, permanecerá acionista, mas deixará de orientar os negócios da SAF.
Nem toda conversão resultará na mudança de controle. Outros cenários poderão ocorrer, como a manutenção do controle, pelo clube, mas sujeito à oposição de uma minoria ativa e organizada.
Ainda, poderá dar origem a uma estrutura em que não se identifique um controlador majoritário, caso em que as deliberações sociais serão tomadas pelo acionista ou pelo grupo de acionistas que, circunstancialmente, organizar-se para superar os demais.
Ou poderá alçar o clube à posição de acionista minoritário, caso em que, em princípio, se submeterá à vontade da maioria.
Em qualquer situação, a conversão não afastará o direito do clube de bloquear a realização de determinados negócios pela SAF, conforme previsão do art. 2º, parágrafos 3º e 4º da Lei da Lei Rodrigo Pacheco. Ou seja: enquanto o clube for proprietário de ações classe A, representativas de, pelo menos, 10% do capital social, as matérias previstas no parágrafo 3º somente poderão ser aprovadas com o seu voto afirmativo; caso a participação do clube caia desse patamar, ainda assim os temas previstos do parágrafo 4º não se realizarão sem a sua aprovação, mesmo que o clube ostente apenas uma ação.
O credor do clube, que passar à condição de acionista da SAF, não poderá subscrever ações classe A, que carregam direitos inerentes à pessoa do constituinte. Assim, a conversão de crédito detido por terceiro, em capital da SAF, somente se produzirá mediante a emissão de ações ordinárias ou preferenciais, nos termos da lei 6.404/76.
Ao subscrever capital da SAF, o credor deverá integralizá-lo, no prazo e na forma que a assembleia geral deliberar. A integralização, que tem natureza de pagamento, se dá mediante dação, conforme conteúdo do art. 356 do Código Civil. Em outras palavras, o subscritor não entregará dinheiro para SAF, como forma de pagamento do capital subscrito; ele cederá sua posição perante o devedor, tornando-se a SAF, a partir do ato, credora do clube.
Por fim, a conversibilidade, que, como indicado acima, envolve três partes – o clube devedor; o credor do clube; e a SAF constituída pelo clube, mas que não tem responsabilidade pelas obrigações do clube – não se estende a uma solução bilateral, negociada e resolvida entre credor e clube. Em outras palavras, ela não se prestará, por exemplo, à troca do crédito por quotas patrimoniais do próprio clube.