A lei 14.193/21 (ou Lei da SAF ou, ainda, Lei Rodrigo Pacheco) prevê um regime específico de governação da sociedade anônima do futebol ("SAF"): além da diretoria, órgão obrigatório em qualquer companhia, também deverá ter um conselho de administração.
O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada e não lhe cabe a representação da SAF, função que se atribui com exclusividade à diretoria. Aliás, conselheiros, isoladamente, ou em colégio, não exercem funções executivas. O órgão será composto por pelo menos 3 membros, eleitos e destituíveis, a qualquer tempo, pela assembleia geral da SAF.
O estatuto da SAF deverá estabelecer (i) o número de integrantes do órgão, ou os números mínimo e máximo permitidos, (ii) o modo de substituição e (iii) o prazo de gestão, que não poderá ser superior a 3 anos, permitida a reeleição. Apesar do emprego da expressão no singular, não há limite de candidaturas e de reeleições.
Compete ao conselho de administração, dentre outras matérias, nos termos do art. 142 da lei 6.404/76: "(i) fixar a orientação geral dos negócios da companhia; (ii) eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; (iii) fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; (iv) convocar a assembleia geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132; (v) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; (vi) manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; (vii) deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; (viii) autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; (ix) escolher e destituir os auditores independentes, se houver".
Inexiste impedimento legal para que associado ou membro de algum órgão do clube que constituir a SAF exerça, nela, cargo de conselheiro de administração. Mas, se for eleito e, cumulativamente, preencher ambos os requisitos, ou seja, ser associado e participar de algum órgão administrativo, deliberativo ou fiscalizatório no clube, não poderá receber qualquer remuneração da SAF.
A vedação se estende a formas indiretas de remuneração. Assim, somente (i) associados que não tenham função específica no clube ou (ii) membros externos ao clube poderão ser remunerados.
Já a diretoria da SAF deverá ser composta por 2 ou mais diretores, nos termos do art. 143 da lei 6.404/76, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração.
O estatuto deverá tratar, dentre outros temas, sobre (i) o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos, (ii) o modo de substitição e o prazo de gestão, que não será superior a 3 anos, permitida a reeleição (sem limite de vezes) e (iii) as atribuições e poderes de cada diretor.
Até 1/3, no máximo, dos membros do conselho de administração poderá compor a diretoria (cumulando, pois, cargos em ambos os órgãos).
Por outro lado, a Lei da SAF proíbe a eleição para cargo de diretoria do empregado ou de membro de qualquer órgão, eletivo ou não, de administração, deliberação ou fiscalização do clube criador da SAF, enquanto dela permanecer acionista.
Diretores da SAF deverão dedicar-se com exclusividade a ela, sendo vedada a ocupação apenas parcial, observadas eventuais determinações estatutárias.
A SAF também terá, obrigatoriamente, um conselho fiscal, que funcionará de modo permanente. Sua composição terá pelo menos três e, no máximo, cinco membros, e suplentes em igual número.
De acordo com o art. 162 da lei 6.404/76, somente podem ser eleitos para o órgão pessoas naturais, residentes no país, diplomadas em curso de nível universitário, ou que tenham exercido por prazo mínimo de três anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.
Ademais, não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pessoas enumeradas nos parágrafos do art. 147 da lei 6.404/76, membros de órgãos de administração (portanto, do conselho de administração ou da diretoria) e empregados da SAF ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador da SAF.
Compete ao conselho fiscal (i) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores da SAF e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários, (ii) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral, (iii) opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembleia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão, (iv) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia, (v) convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de um mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembleias as matérias que considerarem necessárias, (vi) analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia, (vii) examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar, e (viii) exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais que a regulam.
As atribuições e os poderes conferidos ao conselho fiscal são indelegáveis.
O parágrafo 1º do art. 5º da Lei Rodrigo Pacheco estabelece regras impeditivas comuns, aplicáveis ao conselho de administração, ao conselho fiscal ou à diretoria da SAF. Neste sentido, não podem integrar estes órgãos as seguintes pessoas: (i) membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de outra SAF; (ii) membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de clube ou pessoa jurídica original, salvo daquele que deu origem ou constituiu a própria SAF; (iii) membro de órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de entidade de administração, nacional ou regional; (iv) atleta profissional de futebol com contrato de trabalho desportivo vigente; (v) treinador de futebol em atividade com contrato celebrado com clube, pessoa jurídica original ou SAF; e (vi) árbitro de futebol em atividade.
Esses impedimentos somam-se aos demais aplicáveis a todo ou a qualquer um dos órgãos da sociedade anônima, nos termos da lei 6.404/76.
Anota-se, por fim, que, durante o processo legislativo, acabou-se abandonando importante regra, contida no PL 5.516/19, originador da lei 14.193/21, que previa que enquanto o clube fosse acionista único da SAF, no mínimo a metade do conselho de administração deveria ser integrado por conselheiros independentes, adotado o conceito de independência estabelecido pela CVM para as companhias abertas.
Apesar da ausência da norma, nada impede que se insira conteúdo semelhante no estatuto da SAF, por ocasião de sua constituição. Aliás, essa previsão poderá conferir mais credibilidade ao plano futebolístico-empresarial definido pelo clube, ao criar a SAF, ou pela própria SAF.
Enfim, a lei 14.193/21 oferece um conjunto normativo no qual se inserem normas de governação que abrem uma nova perspectiva para os times e para investidores no mercado brasileiro.