O título deste artigo pode parecer paradoxal, em vista do momento absolutamente singular de retração econômica causada pela maldita pandemia.
O economista Cesar Grafietti, enquanto aguardamos ansiosamente a edição deste ano do seu "Análise Econômico-Financeiro dos Clubes de Futebol Brasileiros", traz, em coluna publicada no site Infomoney no último dia 3 de abril de 2021, com o título "Clube do Bilhão: o que fazer para evitar que seu clube faça parte"1, spoiler bastante preocupante sobre a condição financeira de nossos clubes.
Vale a pena ler o artigo de Grafietti com muita atenção. Em apertadíssima síntese, ele demonstra que, ao passo que alguns clubes brasileiros projetaram, em anos anteriores, entrarem, em alguns anos, no grupo dos que receberiam 1 bilhão de reais em receitas anuais, alguns balanços recém-publicados demonstram que, na verdade, alguns dos nossos times estão realmente batendo 1 bilhão de reais, porém, em dívidas.
A tendência natural diante do quadro é sugerir "apertar os cintos", cortar gastos, investir menos.
E é aqui que se pretende fazer o contraponto: os clubes brasileiros, em geral, podem até gastar mal, mas, certamente, não gastam muito. Até porque, não têm receitas suficientes para tanto.
Logicamente, que no caso de um clube preocupantemente endividado, localizar gastos malfeitos, geralmente, em contratações que não trazem retorno técnico, tampouco possibilidade de receita com transferência futura, é ação salutar.
Porém, não haverá saída definitiva para a crise do futebol brasileiro, se a prioridade das ações se concentrar apenas no corte de gastos e não na geração de receitas e realização de novos investimentos.
Em suas palestras, outro economista, o Professor Gabriel Galípolo, entre brilhantes lições, cita pensamento de John Maynard Keynes quando da grande depressão de 1929: "abster-se de gastar em um momento de depressão é desperdiçar máquinas e trabalhadores disponíveis, é falhar com a sociedade e promover a miséria." Examinando especificamente o tema sob a ótima da gestão dos clubes de futebol, Galípolo complementa:
"Em uma economia que o gasto é financiado pelo crédito, os balanços refletem uma ponte para o futuro, entre compromissos contraídos e as perspectivas de receitas. Medidas debilitadoras da capacidade atual solapam o futuro que sustenta o presente. A imposição de um limite linear e genérico ao gasto, pode deteriorar ainda mais a situação financeira. Despesas com custeio apresentam tendência mais autônoma de crescimento. Por exclusão, investimentos assumem o papel de despesas discricionárias. Os investimentos, já baixos e insuficientes, podem ser comprimidos ainda mais com a imposição de um limite genérico, empurrando a gestão financeira para uma espiral negativa: quanto mais corta, mais caí. A gestão que pretenda reverter este ciclo vicioso, necessariamente deve enfrentar a composição das despesas e estimular aquelas que edificarão o futuro."
O futebol brasileiro precisa inverter o ciclo e parar de promover a miséria. Se já há quem diga que os jogos das principais divisões dos campeonatos pelo Brasil são tecnicamente inferiores àquilo que as TVs nos mostram dos torneios na Europa, com menos investimento, o desnivelamento técnico só fará aumentar, afastando o interesse do torcedor, diminuindo audiência, repelindo o mercado publicitário, até o momento em que nossos clubes perceberem que não haverá mais gastos a cortar, porém, sua situação financeira não apresentou melhora significativa. Esse é o círculo vicioso.
O fim da crise financeira de boa parte dos clubes brasileiros deve até passar pelo corte dos gastos ruins, porém, a solução mesmo, sólida e consistente, somente virá com o aumento da capacidade dos clubes de obterem receitas que permitam aumento de investimento na atividade. Só assim, seremos capazes de reter os talentos que revelamos por mais tempo, contratar outros, inclusive estrangeiros e aumentar o interesse pelos jogos e campeonatos. A receita é aumentar o investimento, para produzir um ciclo virtuoso.
Também por isso, é tão importante para o futebol brasileiro a aprovação do PL 5.516/2019, hoje em trâmite no Senado, que regulamenta a possibilidade de constituição pelos clubes de futebol brasileiros da Sociedade Anônima do Futebol – SAF.
Porque o Projeto da SAF, que tramita no Senado, tendo sido apresentado pelo Senador Rodrigo Pacheco e, hoje, relatado pelo Senador Carlos Portinho, tem como principal objetivo oportunizar aos clubes aumento das receitas que hoje eles não alcançam, em muitos casos, porque organizados na forma de associações. Se perguntarem aos autores qual o objetivo central do Projeto da SAF, a resposta seria automática: "aumentar a capacidade dos clubes em obter receitas e de investir na empresa futebolística". Esse é o efeito principal pretendido, todos os demais são secundários.
O Projeto da SAF trabalha na polaridade positiva. Não é contra ninguém. É um projeto "a favor": a favor da possibilidade de os clubes brasileiros receberem “dinheiro novo”, seja com novas linhas de financiamento que, organizados na forma de sociedade anônima, os clubes terão acesso, seja pela emissão das Debêntures FUT.
O futebol brasileiro pode até estar em crise, também, porque os clubes gastam mal. Porém, só vai sair da crise se investir mais. E, de há muito, entendemos que a inexistência de marco regulatório para criação de um mercado consistente para o futebol brasileiro, com a possibilidade de adoção de outra forma societária para os times, que não a das obsoletas associações esportivas, é obstáculo ao desenvolvimento da atividade.
O ciclo virtuoso só virá com aumento de receitas e mais investimento. A criação da SAF certamente será o estímulo do qual o futebol brasileiro precisa.
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1 Íntegra aqui.