Meio de campo

Daniel Alves

27/1/2021

Daniel Alves é um fenômeno.

Foi campeão pelo Bahia (Copa do Nordeste), pelo Sevilla (Copa da Uefa, Supercopa da Uefa, Copa do Rei e Supercopa da Espanha), pelo Barcelona (La Liga, Supercopa da Espanha, Copa do Rei, Supercopa da Uefa, Champions League e Mundial de Clubes), pela Juventus (Campeonato Italiano e Copa da Itália) e pelo PSG (Campeonato Francês, Copa da França, Copa da Liga e Supercopa da França).

Também conquistou títulos com a seleção brasileira: Copa das Confederações (duas vezes) e Copa América (outras duas).

Reverenciado e admirado, surpreendeu o mundo futebolístico, ano retrasado (2019), ao escolher o caminho mais difícil para sua carreira naquele momento: a pressão e a tensão existencial de seu time de coração, que não vencia havia mais de uma década um título prioritário – a Copa Sul-Americana é, sim, importante, mas não é e jamais deveria ser prioridade para o São Paulo –, ao invés de um time milionário de um país secundário (Estados Unidos, China etc.), que lhe daria status local e muito, muito dinheiro – mais, aliás, do que recebe de seu atual empregador.

Aos 36 anos, Daniel Alves passou a ser, então, a esperança do reencontro Tricolor com as glórias do passado.

A expectativa sobre ele e as deficiências do plantel o obrigaram a se reinventar, algo que eventualmente ocorre com jogadores, com idade mais avançada, de nível técnico assemelhado, mas não em campeonatos ultracompetitivos como o brasileiro e a libertadores. 

Além de fenomenal, Daniel Alves é corajoso. Passou, assim, a ocupar a posição mais importante em campo, o que lhe exigiu e ainda exige um esforço físico compatível com o de um jovem em início de carreira.

Nessa nova função, ele pode até errar – como, aliás, todos os jogadores, sem exceção, erram –, mas não se entrega. Acerta muito, muito mais do que erra. Luta, corre e quer, vê-se em suas atitudes, a vitória, sempre a vitória.

Desde que o São Paulo embalou no campeonato brasileiro, quando ele não joga ou quando joga mal, o time se fragiliza (técnica e psicologicamente). Não por má-fé ou má vontade – creio eu, com convicção –, mas porque Daniel Alves se tornou essencial, dentro e fora de campo.

Sim: passa por Daniel Alves o amadurecimento, o crescimento e a aquisição de segurança de jovens promessas de Cotia, alçadas precocemente à titularidade por contingência (e não por planejamento), e que, contra a convicção de certos cartolas, da torcida e da imprensa, tornaram-se, em menor ou maior grau, revelações da competição.

Com efeito, quase ninguém acreditava no time de Daniel Alves no início do campeonato.

Mas a reverência festiva começou a se transformar em crítica venenosa (rancorosa, raivosa e, talvez, vingativa) com a derrota para o Grêmio, na primeira partida das semifinais da Copa do Brasil – outra disputa em que o São Paulo se saía muito bem, com êxitos sobre adversários badalados e reputados favoritos.

Passados poucos dias – ou horas - daquele resultado negativo, ninguém mais se lembrava de que, além de ter jogado muito mais do que o adversário, o São Paulo poderia ter saído de lá com resultado positivo se Brenner não perdesse gol que não costumava perder (e, aqui, não se faz uma crítica ao jovem atacante); gol feito, realmente feito, desses que até a minha avó faria, graças ao passe irretocável de quem? De Daniel Alves. E se Luciano – jogador que dá orgulho de assistir –, também não tivesse desperdiçado outra oportunidade, quase tão imperdível como a mencionada anteriormente, criada por quem? Daniel Alves – ele, de novo. 

Apesar de ser o coração e o cérebro do time – além do mais bem sucedido, esportiva e financeiramente –, Daniel Alves jamais, ao menos publicamente, apontou o dedo a um ou outro companheiro; porta-se, com nobreza, ao lado de Tchê Tchê, Gabriel Sara e Vitor Bueno, como se estivesse ombreando Messi, Iniesta e Xavi.

Daniel Alves vem demonstrando, mesmo diante das adversidades – que também são internas, pois é sabido, desde as campanhas eleitorais no Morumbi, que a atual diretoria não o considerava, e não o considera, em seus planos –, que tem o brio e a alma Tricolores.

Nos últimos 11 anos, quase nenhum time são paulino chegou tão perto de um grande título. Nesse período, fracassaram dezenas de (ex) jogadores e treinadores, alguns dos quais, hoje, são apontados como soluções para um problema que não é conjuntural – mas, unicamente, estrutural –, e se reflete nos vestiários e em campo.

O último grande herói, desde 2008, foi Hernanes, que não levantou taça, mas salvou o São Paulo do rebaixamento, em 2017.

Tanto Hernanes, naquela temporada, como Daniel Alves, lideraram elencos inferiores – talvez muito inferiores – aos de seus rivais, como, para citar 3 no atual campeonato, os de Flamengo, Palmeiras e Galo.

Daniel Alves tem, ao seu redor, pois, um grupo que, sem ele, já teria, há muito tempo, ficado para trás na competição – se é que, em algum momento, alcançaria o protagonismo nacional, com vitórias acachapantes sobre Flamengo e Galo.

Ele não é, portanto, o problema, mas parte da solução.

Se não para o campeonato de 2020 – que findará em 2021 –, ao menos para dar continuidade e estrutura ao de 2021 e dos anos seguintes, tanto como jogador, enquanto tiver disponibilidade para enfrentar o insano calendário de jogos a que se submetem times e jogadores brasileiros, quanto, depois, na função de dirigente.

Infelizmente, a mesma estrutura que, há anos, vem destruindo o que parecia indestrutível – o maior campeão internacional do Brasil –, precisa, nesse momento de crise aguda, entregar alguém à turba enfurecida para se mostrar messianicamente salvadora.  

O São Paulo, de clube referencial – que foi até capaz de oferecer os últimos suspiros a Adriano, o Imperador –, passou, há algum tempo, a destruidor (e detrator) de grandes boleiros – e seres humanos.

E isso sob a égide de uma mesma estrutura e um mesmo eixo de poder.

Esse caminho não isentará – e já não isenta – o clube de consequência: quem o escolherá, como primeira opção, sabedor da forma como seus jogadores – e ídolos – são tratados, sem proteção de sua própria gente?

Na narrativa dramática tricolor, Daniel Alves seria Jesus Cristo – que me perdoem os cristãos –, enquanto, para Judas, o papel serviria a uma vintena de pequenos a “grandes” cartolas.


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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.