Não se pode negar a influência da subjetividade quando se tenta determinar quem foi o (ou a) melhor ou maior em determinada profissão (técnica, artística, esportiva ou de outra natureza).
Além dos aspectos subjetivos, a determinação das premissas que norteiam eventual avaliação (supostamente) objetiva também pode afetar resultados, de modo que, ao final, a depender de quem as define, também se incorporarão subjetividades (ou direcionamentos) ao processo.
Feitas essas considerações, Raí foi o maior jogador da história do São Paulo.
Raí liderou o time em conquistas históricas como o Paulista de 1991 (com três gols no jogo final contra o Corinthians), o Brasileiro de 1991 (título que resgatou o Mestre Telê Santana), o Paulista de 1992 (com mais três gols na final contra o Palmeiras), as Libertadores de 1992 e 1993, o Mundial de 1992 (com dois gols sobre o Barcelona), e o Paulista de 1998 (novamente contra o Corinthians, com um gol de cabeça, na única partida de que participou, ao ser contratado justamente às vésperas do confronto).
Há muito mais: em 1992, capitaneou o São Paulo em duas goleadas, também históricas, de 4x1 sobre Barcelona e 4x0 sobre o Real Madrid, com dois gols na primeira e um na segunda – que resultaram nas conquistas dos troféus Teresa Herrera e Ramón de Carranza.
Com Raí, portanto, a torcida tricolor realizou seus maiores sonhos – as conquistas da América e do Mundo –, e cresceu, local e nacionalmente, de modo exponencial, atingindo a terceira colocação no País – atrás apenas de Flamengo e Corinthians.
Mas não se pode esquecer que, no início, a vida de Raí no São Paulo não foi fácil. Passou por diversas provações, uma delas a comparação com Sócrates, de quem era o irmão mais jovem (mas que, com o tempo, a relação se inverteu, e, de Raí, Sócrates passou a ser o irmão mais velho).
Além do peso comparativo, recaiu sobre ele o temor (ou a desconfiança) da incompatibilidade com o modo de jogo são paulino à época.
Sim: o torcedor e a imprensa ainda tinham como referência a velocidade do elenco campeão brasileiro de 1986 (integrado por jogadores como Careca, Muller, Silas e Sidney), e estranhavam a aparente lentidão de Raí. Nada mais injusto, aliás, como veio a demonstrar ao longo de sua carreira, com suas arrancadas e infiltrações determinantes - a exemplo da que abriu a goleada em 1991, contra o Corinthians.
Raí superou os obstáculos e os venceu, soberanamente.
Ao partir para Paris, em 1993, para vestir a camisa do PSG, também enfrentou, no início, dificuldades.
Chegou a amargar, por algum tempo, a desconfiança e o banco de reservas. A situação motivou o assédio do Palmeiras – que tinha, à época, recursos ilimitados, fornecidos por determinado patrocinador –, e do próprio São Paulo, que planejou sua repatriação. Mas o jogador avisou: somente deixaria o PSG pelas portas da frente.
O resultado todos conhecem: títulos do campeonato francês, da copa da França, da liga, da supercopa e da Recopa Europeia, e a eleição, por ocasião da celebração do 50º aniversário do time, como o maior jogador de sua história.
Faço, aqui, um pequeno desvio na narrativa, para relatar um caso que revela a idolatria da torcida parisiense.
Jantei, certa vez, na casa do diretor geral de um banco secular europeu. Rapidamente a conversa enveredou para o futebol. Ele era torcedor fanático do PSG. Quando lhe falei que conhecia Raí, o poderoso executivo reagiu com teatral agressividade: não minta, Raí não é humano, é uma entidade inacessível a nós, mortais – disse ele.
O jantar transcorreu sem embates, com o francês se regozijando das atuações do ídolo com a camisa parisiense – que são (já que tenho, neste texto, a palavra final) incomparáveis à magia produzida com o manto tricolor.
Anos após o encerramento da carreira de jogador, e depois de se dedicar aos estudos da administração do futebol, Raí foi indicado para compor o conselho de administração do São Paulo. De lá, do conselho, poderia liderar os debates a respeito da necessária – e essencial – constituição de uma companhia, para desenvolver a empresa futebolística de forma separada da gestão do clube. Esse parecia, aliás, o seu destino – e teria, talvez, precipitado a transformação do modelo brasileiro de detenção da propriedade do futebol.
Mas foi "tentado" pelo convite para dirigir o departamento de futebol tricolor. Aceitou o desafio (que, ele sabia, seria complexo, e que, sob qualquer ângulo, poderia lhe trazer mais ônus do que bônus).
Ao longo dos anos de atuação diretiva, acertou, errou, acertou, errou novamente, corrigiu e acertou.
Seu maior erro talvez tenha sido a dispensa de Aguirre, que pareceu, ao espectador externo, tê-lo deixado sem rumo.
Seu maior acerto (ou um deles), foi recobrar o norte e apostar em Fernando Diniz, mesmo quando, após uma derrota inexplicável no paulista de 2020 e um começo preocupante no brasileiro do mesmo ano, a torcida, as cornetas e a imprensa (com poucas exceções) pediam a sua cabeça.
Também acertou ao, antes de Diniz, apostar em Daniel Alves, um jogador realmente excepcional.
A adaptação (ou o aprendizado) talvez tenha levado mais tempo do que se imaginava – e do que ele próprio gostaria; mas ele se adaptou e aprendeu. Aliás, não se duvide: São-Paulino que é, deve ter sofrido, calada e isoladamente, como ou mais do que qualquer outro torcedor.
Fosse ele dirigente em outro setor da economia, o tempo da adaptação e do aprendizado estaria na conta. Por se tratar de futebol, no entanto, a pressa, mesmo para quem se diz moderno e progressista, se sobrepõe – e se sobrepôs – ao verniz discursivo.
Mas Raí é um vencedor. Um predestinado. E vencerá também como diretor.
Como são-paulino, só me resta resgatar o cântico entoado tantas vezes pela torcida: fica, Raí, aqui (ou aí) no Morumbi!