Meio de campo

A hora e a vez do Congresso Nacional resolver o problema estrutural do futebol brasileiro

A hora e a vez do Congresso Nacional resolver o problema estrutural do futebol brasileiro.

7/10/2020

O debate a respeito do clube-empresa não é uma novidade: está na pauta desde o advento da Constituição de 1988 e vem repercutindo, com maior ou menor intensidade, a cada crise clubística ou por ocasião do surgimento de leis de natureza esportiva.

Durante todo esse período (mais de três décadas, portanto), o enviesamento ideológico, dirigido à preservação de interesses conflitantes com o desenvolvimento da atividade futebolística, impediu a sua progressão.

Nesse sentido, a afirmação da associação sem fins lucrativos, como agente proprietário e organizador da empresa do futebol, foi facilitada pelas soluções puramente formais adotadas pelas Leis Zico e Pelé, que se expressaram pela mera sugestão ou mesmo pela obrigatoriedade da passagem do associativismo ao modelo empresarial, sem preocupação, porém, com a criação de um ambiente receptivo às novas entidades empresárias-futebolísticas.

Assim, os dirigentes de clubes declararam a incompatibilidade do modelo pretendido por ambas as leis com a natureza da relação mantida pelo brasileiro com o futebol, e conseguiram preservar seus próprios interesses, em detrimento do interesse coletivo.

Quando se imaginava o fim do movimento progressista – e a consagração definitiva do cartolismo, mesmo diante das evidências da destruição patrimonial (e afetiva) provocada pelo sistema – surgiu, no início de 2016, o PL 5.082/16, de autoria do então Deputado Federal Otavio Leite (PSDB/RJ), que tinha como propósitos a criação de nova via societária (a sociedade anônima do futebol – SAF), o estabelecimento de procedimentos de governança e a instituição de regime tributário próprio.

A iniciativa redirecionou o debate e jogou luz sobre a essência da problemática: não seria por meio de comandos formais – tal qual a obrigatoriedade de transformação do clube em empresa – que se atingiriam os resultados desejados desde a Constituição de 1988, mas, sim, por intermédio da concepção de um novo sistema, dotado de instrumentos aptos a proteger o futebol como expressão máxima da cultura brasileira e, ao mesmo tempo, atrair recursos disponíveis local e internacionalmente, para financiar a empresa futebolística.

O clube-empresa (ou a SAF) seria, portanto, apenas o núcleo do sistema – e não um fim em si mesmo.

Nos anos seguintes à apresentação do PL 5.082/16, foram promovidos seminários, eventos, audiências etc., envolvendo o Congresso Nacional, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, reguladores, entidades de administração do futebol, associações de classe (como a OAB, o MDA, a AASP e o Congresso Brasileiro de Direito Comercial), clubes, jogadores e o mercado em geral.

Formou-se, então, movimento convergente em torno da relevância da atividade e das possibilidades de formação de um sistema sem precedentes no Brasil, capaz de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do País, para além do futebol.

Em 2019 surgiu um fato novo: o interesse do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), pelo tema. A partir daí, os debates se intensificaram, especialmente com as movimentações promovidas pelo deputado Federal Pedro Paulo (DEM/RJ), nomeado para relatar um projeto substitutivo ao PL 5.082/16.

Paralelamente, o senador da República Rodrigo Pacheco (DEM/MG), convencido da relevância social e econômica do futebol, trabalhava, levando em conta a riqueza dos materiais produzidos nos anos anteriores e a situação periclitante dos clubes brasileiros, na construção de um projeto que oferecesse a solução sistêmica definitiva para o Brasil. Nasceu, assim, o PL 5.516/19, atualmente em tramitação no Senado Federal, que propõe a criação do novo sistema do futebol brasileiro, mediante a tipificação da SAF, o estabelecimento de normas de governança, controle e transparência, a instituição de meios de financiamento da atividade futebolística e a instituição de sistema tributário transitório.

Após esse marco, o substitutivo relatado pelo deputado Federal Pedro Paulo (que dispõe sobre o clube-empresa, o regime especial de tributação, as condições especiais para quitação acelerada de débitos, o parcelamento especial de débitos e a recuperação judicial do clube-empresa) também foi apresentado e votado na Câmara dos Deputados, e na sequência remetido ao Senado Federal, por onde também tramita.

Os projetos adotaram premissas distintas e soluções diversas para os mesmos problemas. Daí a inevitabilidade da confrontação, por vezes acalorada, na defesa das respectivas convicções. O caminho do dissenso parecia irreversível; até que o mundo parou por conta da pandemia.

Esse evento, é sempre bom lembrar, não causou os problemas do futebol brasileiro – a causa é o ineficiente e retrógrado sistema associativo-cartolarial –, mas não há como negar que os potencializou, de modo dramático.

Foi aí então que o espírito republicano prevaleceu e, incentivados pelos presidentes de ambas as casas congressuais, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (DEM/AP), os autores dos projetos em tramitação no Senado Federal, senador da República Rodrigo Pacheco e deputado Federal Pedro Paulo, iniciaram conversas a respeito de possível (e necessário) processo de convergência, com o propósito de oferecer ao país um projeto único, dotado dos instrumentos necessários para instrumentalizar a recuperação da atividade futebolística e, ao mesmo tempo, criar o novo mercado que a financiará, com sustentabilidade.

Emergiu, assim, oportunidade histórica de o Congresso Nacional resolver um problema secular, que atinge a mais cobiçada – e numerosa – atividade humanística (e que é paixão do brasileiro): o futebol, com seus aproximadamente 4,5 bilhões de seguidores (e, daí, todas as possibilidades econômicas e sociais que são exploradas e aproveitadas pelos países europeus e asiáticos; mas são desperdiçadas em nosso País).

E não se diga, ademais, que não é a hora e a vez do Congresso Nacional atuar, porque estaria dedicado exclusivamente ao enfrentamento da pandemia.

Também chegou a hora e a vez, sem que isso signifique negligenciar as questões emergentes da covid-19, dos projetos estruturais, que impulsionarão a retomada do crescimento da economia e a inserção da população afetada pela crise.

Dentre eles, o marco regulatório do novo mercado do futebol, proveniente da convergência entre os projetos dos congressistas Rodrigo Pacheco e Pedro Paulo, após décadas de aprimoramento e debates, está maduro para ser criado.

Enfim, talvez se tenha, pela frente, o prazo de 60 dias, ou pouco menos, para que o Congresso Nacional escreva uma belíssima (e fundamental) página de sua história.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.