Olivia e João nasceram em 2008 e 2010, respectivamente. Por influência paterna, ambos convivem com as referências da década de 1980: ouvem, com regularidade, os álbuns da segunda fase do Iron Maiden e do AC/DC, frequentam exposições dos artistas que integraram a Casa 7 (Antonio Malta, Carlito Carvalhosa, Fabio Miguez, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade) e idolatram a seleção brasileira de 1982.
Não sei afirmar se as relações são totalmente espontâneas; talvez não. Mas o interesse dos dois vem se intensificando desde o surgimento da série Stranger Things (disponível na plataforma Netflix).
A trama se ambienta justamente naquela década, em uma pequena cidade imaginária chamada Hawkins, Indiana, Estados Unidos. De modo inesperado, a população se depara com o enigmático sumiço de um menino local. A busca pelo seu paradeiro desnuda a existência de um mundo invertido (que, fazendo um paralelo com a realidade atual, pode ser comparado à internet e demais mídias que a seguiram), criado no laboratório nacional, sediado na cidade.
Além da participação de excelentes artistas, como Winona Ryder, Caleb Mclaughin e Millie Bobby Brown, a série também brilha pelo resgate de símbolos pop dos anos 1980, como: os filmes Karate Kid, A História Sem Fim e De Volta Para o Futuro; a série Cheers; e músicas de Scorpions (Rock you like a Hurricane), The Clash (Should I Stay or Should I Go) e Tangerine Dream (Exit).
O conjunto referencial cria um sentimentalismo nostálgico no âmbito de narrativa ficcional, com elementos de suspense e terror.
A mesma sensação o torcedor são-paulino sente – ou deveria sentir –, do ponto de vista argumentativo, ao deparar-se com as entrevistas dos candidatos Roberto Natel e Julio Casares, à edição de 25 de setembro da Folha, pois lá se enfrentam problemas contemporâneos com métodos antigos (e ultrapassados).
Roberto Natel teria afirmado que “o problema é que o São Paulo deixou de seguir a sua história de vanguarda”. Mas não indica quando e de que forma houve a ruptura, e muito menos o que fará para reparar os supostos desvios históricos.
Apesar de não enfrentar o fato de que vanguarda não é um atributo intrínseco, mas decorrente da vontade e da materialização de projetos inovadores (que até agora não foram apresentados em sua campanha), perde-se na tentativa de personificação da responsabilidade pela situação dificílima vivida pelo clube: "as pessoas que hoje estão à frente [do clube] ao invés de trabalhar para o São Paulo, trabalham para elas".
Não é por aí que o São Paulo voltará a ostentar o papel de protagonista; a solução passa pela implementação de mudanças profundas, de natureza estrutural – sugeridas à exaustão nesta coluna -, que não são abordadas, nem de perto – ao menos por enquanto – pelo candidato.
Julio Casares, com experiência no mercado e que tem consciência (apesar de negá-la) de que a única forma de recolocar o time no topo do planeta é a restruturação do modelo de propriedade e a criação de uma companhia – nos moldes europeus – deverá optar pelo caminho confortável do reinado clubístico, caso se consagre vencedor. Será uma espécie de coroação pelo tempo investido no clube, que ele disfrutará, aparentemente, afastando-se dos choques inerentes aos movimentos transformacionais.
Mesmo em relação ao estádio, que é um tema-tabu e que poderia, se bem manejado, fazer parte de um projeto grandioso e bilionário, o candidato afirma querer colocar, para geri-lo, um "gerente com uma visão de shopping center". Essa simples movimentação, pelo que se extrai de sua entrevista, fará com que o tempo volte a andar. Portanto, um suposto movimento vanguardista.
Aliás, o tempo perdido também será buscado, conforme indica o candidato, pela convivência de diretoria executiva de futebol com câmaras setoriais clubísticas, que dariam "conforto para que o [diretor executivo] possa exercer o seu plano de gestão". E ainda, por "(...) normas de compliance [que] vão impedir que regras muito claras se confundam".
Além do emprego de frases ou termos vazios, e de ideias tortuosas (sobre a diversificação de gênero, afirma que "[é] fundamental a inclusão da mulher dentro da gestão e do espírito da gestão. (...) Ela toma conta da criança, cuida da gestão de uma casa e ainda trabalha fora como executiva. O homem, se você dá muita tarefa, ele se perde"), não sobra qualquer proposta relacionada à revisão do modelo de propriedade, necessária para que o São Paulo possa financiar a empresa futebolística e voltar a ser reconhecido como gosta de ser – e realmente foi: vanguardista.
Aproximam-se, pois, mudanças de pessoas, e não de ideias, e, com as novas pessoas, a afirmação de ultrapassadas convicções; as mesmas que, no mundo contemporâneo, contribuem para arranhar a linda história tricolor.