No filme o homem que mudou o jogo (disponível nas plataformas Now e Apple TV), Brad Pitt faz o papel de Billy Beane, que fora uma promessa do baseball nos Estados Unidos da América, mas que acabou frustrando as expectativas dos times pelos quais passou – e dos torcedores daquele país, que apostavam no surgimento de uma nova estrela.
Quando percebeu que jamais seria um grande jogador – pois as habilidades que abundavam eram insuficientes para superar as travas psicológicas - Billy Beane resolveu, não sem sofrimento, mudar de carreira e, com o tempo, tornou-se o gerente geral (general manager) de um time californiano participante da Major League Baseball, o Oakland Athletics.
O enredo se passa por ocasião da temporada de 2002. Ele administrava uma estrutura sem recursos e não tinha condições de montar um elenco competitivo. Ao pedir mais investimentos ao proprietário da franquia, recebeu um irredutível não.
Sem alternativa, o gerente retomou o convencional e viciado processo de troca de jogadores. Ao reunir-se com a administração de outro time, o Cleveland Indians, deparou-se com um jovem atípico para os padrões do esporte: Peter Brand, economista formado em Yale1. Intrigado com a importância que o staff esportivo e administrativo conferia ao garoto, Billy Beane o assediou e descobriu uma formulação teórica inovadora, consistente na avaliação de jogadores a partir de algoritmos estatísticos.
O administrador comprou a ideia, contratou Peter Brand, enfrentou a resistência interna em Oakland, sobretudo dos tradicionais olheiros, peitou o técnico do time e iniciou o processo de contratação e escalação de jogadores a partir de dados compilados pelo programa.
Os movimentos iniciais foram sequencialmente intrigantes e frustrantes: jogadores desprezados ou esquecidos substituíram os principais ídolos e os resultados não vieram.
Com o tempo, porém, as peças se encaixaram e o time engatou uma sucessão histórica de vitórias. Ao fim da temporada – não se indicará, aqui, se alcançou o título do campeonato, para não tirar ao leitor o prazer da descoberta -, Billy Beane foi considerado o mais inovador (e revolucionário) dos administradores da liga.
A façanha lhe valeu uma proposta milionária do proprietário da tradicionalíssima franquia Red Sox, de Boston, que pretendia internalizar os seus métodos para, com um time eficiente e barato, trazer a taça para Fenway Park - o que viria de fato a ocorrer apenas dois anos depois.
Mudou-se, ou melhor, aperfeiçoou-se, assim, pela via administrativa, um jogo que já era profissionalizado e disseminado na cultura norte-americana.
Vive-se, no Brasil, atualmente, uma situação que sugere alguma forma de comparação.
O modelo de propriedade do futebol e sua inconsequente administração seguem padrões do século retrasado, forjados em época em que ainda se discutia sobre a abolição da escravidão.
De lá para cá, algumas poucas técnicas foram absorvidas por meia-dúzia de clubes associativos, menos com o intuito de impor-lhes transformações reais – ou revoluções -, mas sobretudo para simular mudanças superficiais necessárias à manutenção do sistema e da classe cartolarial.
A introdução de certas palavrinhas, que nas bocas da cartolagem soam como palavrões, tais como governança e compliance, somada ao aprimoramento do processo comunicacional, instrumentalizaram o encantamento das massas.
Trata-se, porém, de armamento idealizado para resistir ao crescente movimento de revisão do associativismo como forma única de administração da empresa futebolística. A resistência às mudanças persiste e se viabiliza, historicamente, pela construção e propagação de dogmas incompatíveis com o estrago produzido pelos resistentes (tais como: "nós somos diferentes", "o futebol é nosso", "investidor e resultado esportivo são incompatíveis" e "a inviabilidade da tributação da empresa futebolística").
A verdade é que, por trás do escudo do associativismo, preservam-se pessoas e centros de privilégio e de poder. Reminiscências do colonialismo e da institucionalização da desigualdade existencial – e racial.
Agora, para sustentá-lo, tenta-se criar novo dogma, consistente na crítica ao que seria a obsessão pelo clube-empresa (e pela sociedade anônima do futebol). A técnica argumentativa é perigosa e inverídica, pois, ao contrário, pretende-se, apenas, oferecer a possibilidade de escolha – entre o próprio associativismo e a empresa, como formas alternativas de organização da atividade futebolística.
Tenta-se, assim, neste país de poucos privilegiados, sustentar, de modo dissimulado, a "ditadura do associativismo e da cartolagem" – expressão que costuma ser utilizada por José Francisco Manssur.
É isso: trava-se um embate histórico entre o retrocesso e o avanço, o obscurantismo e a ciência, os privilégios e uma sociedade futebolística menos desigual, a concentração e a distribuição de oportunidades.
A apatia – ou a resistência – cartolarial em relação ao processo de convergência dos projetos de lei 5.082/16, relatado pelo deputado Federal Pedro Paulo (DEM/RJ), e 5.516/19, de autoria do senador da República Rodrigo Pacheco (DEM/MG), em curso no Senado Federal, que resultará num marco legal revigorante e salvador, sem precedentes no Brasil e no planeta, revela, ademais, o hiato entre os Estados Unidos da América, nação concebida para ser grandiosa – a despeito da acidental eleição de Donald Trump -, e o Brasil, o qual, apesar de sua grandeza territorial, insiste em ser pequeno e essencialmente patrimonialista.
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