Deveria ter ocorrido em Brasília, no dia 19 de março, um importante debate idealizado pela OAB, a respeito do novo marco regulatório do futebol. Pretendia-se apresentar os dois modelos que tramitam no Congresso Nacional, um proveniente da Câmara dos Deputados, relatado pelo deputado Federal Pedro Paulo (DEM/RJ), e outro do Senado, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG). O evento teria sido utilíssimo para definição do caminho legislativo que se ofereceria à organização e ao manejo do futebol no Brasil.
Desde o anúncio do debate, divulgado pela OAB, até o seu cancelamento, motivado pela crise do Covid 19 – e sobretudo até o dia de hoje –, muita coisa mudou, não apenas no plano local, como internacional também. O que se debateria há uma semana – assim como o que vinha sendo debatido, desde 2016, com a apresentação do PL 5.082/16, de autoria do então deputado Federal Otavio Leite, na Câmara dos Deputados –, deve ser ajustado às inevitáveis consequências que abalarão– ou melhor, já abalam – os agentes que integram o sistema futebolístico.
Mais do que isso: é fundamental que se crie uma ampla frente de apoio e ajuda ao futebol brasileiro, com o propósito de oferecer-lhe instrumentos para superar o agravamento de uma situação que já beirava a insustentabilidade. O Congresso Nacional, nessa frente, deve, a partir de agora, assumir o protagonismo.
Do ponto de vista legislativo, a proposta do deputado Federal Pedro Paulo fora construída sobre três pilares: (i) a criação de condições especiais para quitação acelerada de débitos e para parcelamento especial de dívidas de clubes perante a União; (ii) a recuperação judicial; e (iii) o regime de centralização das execuções no âmbito da Justiça do Trabalho.
O aproveitamento do tripé dependeria da adoção, pelo clube, de alguma forma societária, prevista na legislação (sociedade anônima, comandita em ações, limitada etc.). Ademais, à empresa (ou ao clube-empresa, conforme nomenclatura do projeto) se ofereceria um regime especial permanente de tributação, que previa o pagamento unificado de 5% da receita mensal, correspondente a determinados tributos federais (IRPJ, CSLL, COFINS, PIS/Pasep).
O projeto de autoria do senador Rodrigo Pacheco foi por outro caminho, propondo a criação de um novo sistema – ou uma nova ordem – no futebol, arquitetado sobre quatro pilares: (i) a introdução de um tipo societário especial, a sociedade anônima do futebol (SAF); (ii) a previsão de um modelo de governança e de técnicas de controle e publicidade dos atos da SAF e de seus administradores; (iii) a criação de instrumentos específicos para o financiamento da atividade futebolística, como a debênture-fut; e (iv) o programa de desenvolvimento da educação por meio do futebol.
A SAF conviveria com as outras formas societárias previstas na legislação, mas a sua adoção seria condição para aproveitamento dos elementos integrantes do sistema que se criaria. Dentro desse sistema, aliás, também se contempla um regime tributário, de natureza transitória, que autoriza a SAF, durante determinado período, a promover o recolhimento unificado de 5% da receita mensal, correspondente a determinados tributos federais.
Apesar de intersecções, os projetos tinham – ou ainda têm – propósitos distintos (os quais foram amplamente expostos), construídos, no entanto, a partir de situações e de premissas que foram radicalmente modificadas – para pior.
As modificações indicam que o futebol brasileiro precisará de ajuda, que os clubes precisarão de ajuda, que os atletas precisarão de ajuda e que os demais agentes que vivem do futebol precisarão de ajuda – como, aliás, a sociedade brasileira precisará de ajuda.
Neste momento de crise agudíssima, emerge a importância, ou melhor, a imprescindibilidade do Estado, como agente executor de medidas necessárias à preservação das bases da sociedade, à preservação de direitos sociais e individuais, à estimulação da economia e à fixação de políticas públicas que nortearão os caminhos a serem trilhados nos próximos anos.
É disso, pois, que o futebol passou a necessitar como nunca em mais de um século de prática neste país: do reconhecimento de que se trata de um tema fundamental ao (e do) seu povo, com enorme potencial social, educacional e econômico, e da determinação de uma política pública que enfrente os problemas imediatos, amplificados pela epidemia do Covid-19, bem como dos mediatos, que permitirão a formação de um novo ambiente, sustentável, transparente e eficiente.
Assim, dentro de uma ampla frente de apoio e ajuda ao futebol, que deveria envolver a CBF, os clubes, os jogadores, os patrocinadores, a televisão e outros meios de comunicação etc., o Congresso Nacional também tem, agora, uma missão fundamental – e histórica – nas mãos, sobretudo, dos Presidentes de suas Casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, e de duas novas lideranças, o Senador Rodrigo Pacheco e o Deputado Federal Pedro Paulo.
A convergência, pelas características dos projetos em tramitação, deveria viabilizar a fixação do marco regulatório adequado para enfrentamento da crise sistêmica e para construção do novo ambiente do futebol brasileiro.