Meio de campo

Futechanchada paraguaia

Futechanchada paraguaia.

11/3/2020

A enrascada em que Ronaldinho Gaúcho se meteu talvez venha a ser esclarecida; ou não. Qualquer que seja o desfecho, no entanto, marcas indeléveis serão deixadas nele, no seu entorno e no país. Afinal, ele é, oficialmente, um embaixador do turismo e, pelo que fez em campo – conforme opinião de Tostão, trata-se do jogador que mais se aproximou de Pelé –, um herói do mítico futebol brasileiro.

Neymar, outro jogador que já cravou seu nome na história, protagoniza e coleciona polêmicas que abalam sua postulação a príncipe do futebol. Aliás, o padrão errático de conduta contribui para formação de uma imagem antipática e despreocupada com a sua posição de embaixador natural do futebol brasileiro e do país.

Adriano abandonou seu posto de imperador, no auge da carreira – mas ainda longe, muito longe de seu fim –, e abraçou a vida que, provavelmente, a dura rotina de treinos o privara na juventude.

Esses são apenas alguns exemplos de atletas que, apesar de seus problemas privados ou públicos, conseguiram – e conseguem –, por vias distintas, manter, de algum modo, a força de seus nomes.

Todos eles poderiam – e no caso de Neymar, ainda pode – ser maiores do que foram – ou são.

Há outros grupos de jogadores que, mesmo tendo alcançado a fama, inclusive internacional, sucumbiram às tentações que lhes surgiram e, com o esgotamento da capacidade de atuação profissional, não souberam preservar as conquistas acumuladas ao longo da carreira.

Muller, o atacante que coleciona três títulos mundiais – dois pelo São Paulo e um pela seleção brasileira – e duas Libertadores, ilustra, infelizmente, essa situação, que se repete, com assustadora frequência, em todos os níveis do futebol.

Aliás, episódio análogo foi narrado com melancólica poesia por Ugo Giorgetti, em seu fundamental Boleiros: lá, o personagem Paulinho Majestade, ex-jogador de destaque do Santos e, ao mesmo tempo, pródigo, chega ao final da carreira apenas com a sua dignidade, tendo perdido, para a vida, todas as conquistas materiais.

Não se pode negar que há, na carreira, exemplos de pessoas que foram tão bem ou melhor sucedidas fora do que dentro de campo.

Mesmo assim, e evitando-se o fácil subterfúgio da padronização, também não se pode negar que, ao contrário do que ocorre em outras carreiras, a demanda social, em relação ao nível educacional do esportista, em geral, é bem diferente – e reduzida.

O problema é que, nesse setor de atividade, o versículo bíblico se encaixa como em nenhum outro, talvez: com efeito, muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos. Os renegados, em geral, não planejam situações alternativas; o futebol consiste na única solução.

Os que persistem, por outro lado, justamente pelo direcionamento de todas as energias para único objetivo, são absorvidos pelo sistema e, daí, tornam-se, como regra, peças de um jogo em relação ao qual não têm condições – ou interesse - de resistir.

O maior exemplo da passividade e da inércia da classe é o desfecho de um importante movimento de valorização da profissão, que se tornou página da história: o bom senso, idealizado e capitaneado pelo à época jogador Paulo André.

Chega-se, assim, ao cerne da questão: o ambiente futebolístico, talvez mais do que os demais ambientes que compõem a tessitura social, carece de um programa educacional que, mais do que simples atletas, forme cidadãos; cidadãos que possam lidar com as decepções, sem dúvida, mas que também tenham preparo para enfrentar o sucesso.

A ação, num país com as características e as desigualdades que possui o Brasil, não será motivada, definitivamente, pelos agentes privados – dentre eles os próprios clubes – os quais, aliás, se aproveitam, por um lado, da assimetria educacional e, de outro, tornaram-se reféns (e estimuladores) do sistema, geralmente em benefício próprio.

Não cabe ao Estado, é importante frisar, interferir nas regras do jogo, tampouco atuar como financiador, por meio de subsídios, de uma atividade inegavelmente econômica.

Mas lhe compete, sim, estabelecer políticas públicas, voltadas à formação e à educação de parcela relevante da população que, direta ou indiretamente, aposta todas as suas esperanças numa carreira ligada ao futebol.

É isso, pois: o esporte, sobretudo o futebol, pode, com uma política adequada, transformar-se no catalisador das transformações sociais e econômicas de que o país precisa para firmar-se como Nação.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.