O Red Bull Brasil não deve ser olhado como uma daquelas surpresas que, após uma participação expressiva ou a conquista de um título solitário, desintegra-se ou resiste no imaginário apenas por conta da fama momentânea (e do acaso). Em 1986, para citar apenas um exemplo, a Inter de Limeira bateu o Palmeiras, tornando-se campeã do campeonato paulista e, depois, sumiu.
O projeto do Red Bull Brasil é diferente de todos os que por aqui já se tentaram ou executaram, e envolve, aparentemente, um propósito ambicioso, fruto de um modelo sem precedentes no país.
Assiste-se à entrada de uma transnacional, conhecida não apenas pela comercialização da bebida enérgica que leva o mesmo nome, mas, também, pelo seu interesse pelo negócio do futebol.
O Red Bull Brasil é, dentro do projeto global, mais uma iniciativa (e não a única), que se soma ao RasenBallsport Leipzig, na Alemanha, ao Fussball Club Red Bull Salzburg, na Áustria, e ao New York Red Bulls, nos Estados Unidos.
Ao contrário dos times brasileiros, que pertencem a clubes associativos, sem fins econômicos, o Red Bull Brasil é titularizado pela Red Bull Futebol e Entretenimento Ltda., uma sociedade empresária que tem o seu capital social distribuído entre dois sócios estrangeiros: a RED BULL GmbH, titular de quotas representativas de 99,99% do capital social, e a RED BULL Hangar-7 GmbH, titular das quotas restantes.
Apesar do relativo fracasso no campeonato paulista de 2019 – a eliminação pelo Santos não deveria receber esse rótulo, não fosse a expectativa que se criou em torno do padrão de jogo e dos números atingidos na primeira fase –, parece que, pelo que se noticia, a administração do time pretende acelerar o projeto e alçá-lo a outros patamares.
Tem motivos de sobra para fazê-lo.
Aliás, a imprensa vinha anunciando o interesse da Red Bull Brasil em associar-se a um time qualificado para disputar a segunda divisão do campeonato brasileiro. Aparentemente, tentou-se, primeiro, o Oeste, mas as negociações caminharam e se consumaram com o Bragantino1. Essa suposta associação deverá, em algum momento, resultar na incorporação de um pelo outro, ou no esvaziamento de um em favor de outro, ou na fusão de ambos, de modo que, ao final, o Red Bull Brasil exerça o controle das atividades futebolísticas por meio de uma empresa. Há vários meios legais e legítimos para que se execute esse propósito.
Essa empresa, resultante da união (ou fusão ou associação) de times, poderá receber recursos do controlador ou levantar recursos no mercado para armar uma equipe competitiva e disputar, com qualquer outra, o acesso à primeira divisão e, na sequência, a própria primeira divisão. Mais do que isso: poderá se reforçar para pretender a disputa da liderança e do protagonismo da principal divisão do campeonato brasileiro.
Sim: ao contrário dos tradicionais times locais, que se encastelam no modelo associativo, se apegam à politicalha clubística e dogmatizam a inviabilidade da passagem ao modelo empresarial por conta do impacto tributário – ou seja, insistem no secular subsídio estatal –, o Red Bull Brasil terá, à sua disposição, todos – e não menos do que todos – os instrumentos de mercado para se financiar e montar uma seleção de jogadores brasileiros – e/ou estrangeiros –, como fazem os principais times europeus.
A controladora do Red Bull Brasil dará, aliás, um passo certeiro: o Brasil é o maior exportador de jogadores, que são exportados como commodities, submetidos a processo de adaptação e, depois, já "transformados", negociados por valores de tecnologia de ponta.
A inserção do país em sua estrutura global propicia à Red Bull, dona do time brasileiro – de modo legitimo, é bom realçar –, acesso ao mercado local, um dos mais inexplorados do planeta. Propicia, além disso, a formação de uma nova potência futebolística – local e, para quem tem asas, mundial. E possibilita, por fim, a inauguração de um intercâmbio entre jogadores de times daquela mesma marca.
Não é de hoje que se afirma que o futebol brasileiro entrou em estado de autodestruição. A sua forma organizacional não atende às necessidades de financiamento de uma atividade econômica altamente competitiva e globalizada, e o sistema político associativo corrói todas as possibilidades de libertação e desenvolvimento da empresa futebolística.
A energia que poderia ser direcionada a essa empresa é permanentemente desviada para temas internos, politiqueiros, e de nenhuma importância para o futebol. Mas como praticamente todos os times brasileiros vivem a mesma realidade – talvez com apenas duas exceções, que, apesar de sua politicagem interna, porém, por motivos diversos, estão se distanciando dos demais (o Flamengo e o Palmeiras) –, medem-se pela desgraça alheia. É isso, portanto: a desgraça generalizada faz com que os menos desgraçados idealizem uma situação e um poder que já não detêm mais.
Talvez se diga que certos times sempre terão camisa e, no final das contas, ela pesará. Talvez se diga ainda mais: que em países como a Alemanha, o projeto não foi capaz de desbancar times históricos como Bayern e Borussia. É verdade. Mas até mesmo esses times, tradicionalíssimos, abandonaram há muito tempo o modelo clubístico e se mantêm no topo porque encontraram e ainda encontram meios de financiar a empresa futebolística, o que lhes permite concorrer e se sobrepor a projetos audaciosos como o da Red Bull.
Sorte do Red Bull Brasil. Azar do futebol e do torcedor brasileiros.
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1 Bragantino anuncia acordo com o RB Brasil para gestão do time na Série B.