Meio de campo

Renovela do futebol brasileiro

Renovela do futebol brasileiro.

13/3/2019

O tema da criação de um mercado do futebol no Brasil é mais do que novelesco. Tornou-se uma espécie de seriado com temporadas sem fim, concebido para nunca terminar; uma renovela. Enquanto as pessoas se deleitam ou se horrorizam com episódios grotescos, os pouquíssimos donos do futebol se beneficiam das riquezas que ele gera.

O jornalista Juca Kfouri, em artigo publicado na edição de nº 32.848 da Folha de São Paulo, de 10 de março de 2018, traçou a linha do tempo dessa história: começa com a Constituição Federal de 1988, que trancou o futebol nos clubes associativos.

Depois passa pelas Leis Zico e Pelé, que, cada uma a seu tempo e por meio de técnicas ou instrumentos distintos, tentou incentivar a transformação dos clubes em empresas, por meio de movimentos formais.

Chega-se, enfim, à Lei do Profut, que trouxe nova tentativa de estimular a passagem ao modelo empresarial, desta vez pela via das vantagens de natureza tributária.

Esses três últimos movimentos apresentam um elemento comum: a preocupação com a forma, e não com o conteúdo (ou com a materialidade).

Imaginava-se que a simples adoção do modelo empresarial resolveria as mazelas organizacionais dos times brasileiros. A Lei do Profut teria ido adiante nessa imaginação, se não tivesse ocorrido veto presidencial: pois, afinal, não previa ou regulava a criação de um novo mercado (ou de um novo ambiente, sustentável), e, por outro lado, oferecia benefícios que seriam aproveitados pelos mesmos agentes que conduziam – e conduzem – o futebol há anos.

Curioso que o veto não foi motivado pela inexistência de instrumentos aptos a modificar o sistema, mas pela preocupação, equivocada, de que o Profut afetaria a arrecadação do Governo – que, além de não arrecadar, é o principal "subsidiador" do futebol.

Após o Profut surgiram algumas iniciativas, que podem ganhar força com o aparente interesse do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e de integrantes do Poder Executivo.

Divulgou-se, aliás, na coluna do dia 6 de março do jornalista Ancelmo Gois, em O Globo, que Rodrigo Maia estaria interessado em propor um modelo que atraísse o investidor estrangeiro.

Parece, enfim, que se iniciará uma nova e fundamental temporada.

Nessa renovela, os Poderes Executivo e Legislativo devem atentar para os seguintes aspectos:

(i) a reforma não pode ser formal, com a criação apenas de uma figura societária que seja instrumentalizada para deslocar o modo de dominação atual. As leis Zico e Pelé mostraram que esse caminho não funciona;

(ii) ela (a reforma) também não pode ser concebida para simplesmente oferecer benefício tributário às empresas futebolísticas. Esse é o pior dos cenários: manutenção da arcaica estrutura de poder, que se beneficiará à conta do contribuinte;

(iii) a reforma deve criar o novo ambiente, um ecossistema sustentável, que resguarde o futebol como patrimônio cultural e atraia capitais, nacional e estrangeiro – tanto faz –, para esse ambiente;

(iv) ela deve instituir técnicas obrigatórias de governança, controle interno e externo, transparência e fiscalização. Sem isso, o futebol atrairá apenas dinheiro e agentes aventureiros (e eventualmente a procura de “limpeza”);

(v) a reforma deve criar instrumentos de financiamento do futebol. Sem recursos para investimentos, não se diminuirá a distância para os times europeus e se intensificará o modelo exportador de jogador em formação, hoje assumido pelos clubes brasileiros;

(vi) apesar das críticas à proposta puramente tributária, o tema não pode ser ignorado na reforma que se pretende. O futebol vem sendo subsidiado há décadas, e o rompimento drástico poderá ser fatal. Uma fase de reeducação deve ser projetada, durante a qual o setor se beneficiará de um regime tributário transitório; e

(vii) a reforma, por fim, não pode fechar os olhos à realidade social do País e ao papel transformador que o futebol deveria exercer, especialmente em relação às classes menos favorecidas. A partir da atividade futebolística, muitas outras atividades – turismo, serviços, construção, indústria – poderão se desenvolver. Daí a importância da criação do novo mercado do futebol.

No mencionado artigo, o jornalista Juca Kfouri conclui afirmando que, caso o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, se dê bem no projeto que aparentemente irá defender, fará um gol à altura de seus maiores ídolos: craques que encantaram o mundo com a camisa do Botafogo.

Discordo.

O gol terá outra dimensão. Ele transcenderá o gramado ou o estádio, ou a paixão clubística. Será um dos maiores gols da história recente do país, que contribuirá para a necessária transformação social e econômica, por intermédio do futebol, o vibranium brasileiro. Será um gol para colocar o seu autor, seja ele quem for, entre os maiores brasileiros da história.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.