Semana passada, em texto intitulado E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol, tentei demonstrar a importância deste esporte para o país. Aliás, venho tratando disso há quase quatro anos.
Além de algumas manifestações concordantes, recebi mesma quantidade de comentários contrários, sempre no mesmo sentido: o futebol é irrelevante e há problemas mais complexos e prioritários a resolver.
Na lista de prioridades aparecem os temas de sempre: saúde, educação, desemprego, segurança e transporte.
Todos são, sem dúvida, fundamentais, e reaparecem em todas as campanhas: candidatos à presidência, governos estaduais ou municipais costumam pedir votos justamente para solucionar essas questões, e, eleitos, pouco ou nada fazem. Ou, se fazem, não conseguem superar o déficit existente, de modo que a percepção negativa sustenta os discursos dos futuros oponentes ou sucessores (inclusive de afilhados políticos). Em casos extremos, o governante que nada – ou pouco – fez renova pedido de voto para solucionar algo que causou ou que deveria ter solucionado em primeiro mandato.
Portanto, essas bandeiras estão sempre presentes e influenciam, apesar da costumeira falta de propostas objetivas e realistas, a decisão de eleitores.
Assim, assume-se, aqui, uma premissa que, acho, ninguém, confronta: o Brasil precisa, de uma vez por todas, enfrentar as ineficiências em todas essas áreas, a começar pela educação e pelo desemprego.
Essa proposição não descarta, porém, o papel e a relevância do futebol. Não há contradição, oposição ou conflito. Ao contrário: as ações, em todos os campos deficitários, devem ser vistas como complementares e integrantes de um pacote de medidas necessárias para redirecionar a sociedade brasileira.
Mais do que isso: o futebol pode contribuir para implementação de políticas públicas relacionadas às outras áreas de preocupação coletiva. Ou seja, não há substituição de prioridades; apenas um incremento no espectro de atuação.
Pegue-se, inicialmente, o exemplo da educação.
O que o Estado pode fazer para combater a falta de interesse de crianças desfavorecidas economicamente, que olham ao redor e se deparam com pobreza e desemprego, incluindo o dos próprios pais, para frequentar a sala de aula?
Um membro das classes mais abastadas talvez diga que se trata de uma questão de vontade: basta querer e se esforçar para superar e vencer. O argumento é falacioso e insensível à realidade, mesmo que se apresentem casos práticos de notável e admirável ascensão social e econômica, porque os obstáculos são monumentais. Aqui se está, pois, no grupo das exceções.
A argumentação é válida, por outro lado, para pessoas que, por sorte, integram ambientes que oferecem as condições para realização daquele propósito. Aí sim se pode afirmar, com maior propriedade, que a vontade e a dedicação são elementos decisivos para o sucesso pessoal.
Voltando ao cerne da questão, não se pode condenar a criança que, diante da aparente (ou efetiva) falta de perspectiva, se seduz por outros caminhos que não aquele que a sociedade burguesa projeta para os seus filhos, que se beneficiam duma realidade excepcional; em outras palavras, a educação é, lamentavelmente, no Brasil, um instrumento das elites, e não das massas.
Aí pode fazer diferença a função transformadora do futebol. Por exemplo, mediante a instituição de atividade futebolística complementar, a ser frequentada por crianças que estejam matriculadas em escolas públicas, sejam assíduas e obtenham certo desempenho, e que serão treinadas por ex-jogadores profissionais – talvez ídolos daquelas crianças.
A virtuosidade do singelo exemplo – apenas um dentre os vários que se podem implementar - é indisputável: dá-se o motivo para estudar, desenvolve-se uma aptidão, incentiva-se a formação educacional e, na outra ponta, cria-se um mercado de trabalho para jogadores aposentados.
Veja-se, agora, o tema do desemprego, ou melhor, da perspectiva de criação de emprego – logo, de renda, riqueza e desenvolvimento econômico e social: futebol não envolve apenas 22 jogadores em campo e os poucos agentes que gravitam ao seu redor; engloba, como se reconhece em países que compreenderam a importância do grande esporte em geral, e o futebol é o maior de todos, como os Estados Unidos e a Inglaterra, setores de turismo, hotelaria, restauração, serviços, indústria, construção, licenciamento etc, etc, etc. Aquela lógica reducionista o está reduzindo, para deleite dos donos do poder futebolístico, a uma degradante atividade de exportação de commodity humana.
Por todos esses motivos não consigo entender o que leva (i) o brasileiro, em todos os níveis, a desprezar algo que faz parte, com tanto vigor, de sua cultura, e (ii) os políticos em geral a tratar o futebol como tema menor.
Enfim, o futebol não resolverá tudo, mas poderá ser parte da solução de alguns dos maiores problemas do país.