Meio de campo

E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol!

E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol!

31/10/2018

Jair Bolsonaro obteve 57.797.847 votos, representativos de 55,13% dos votos válidos, e será o próximo presidente do Brasil.

Não votaram nele, por outro lado, 89.508.447 eleitores, que escolheram entre seu opositor, Fernando Haddad, anular, branquear ou se abster.

Ele enfrentará, a partir do primeiro minuto do seu mandato – ou melhor, já enfrenta – dois desafios do tamanho do país: primeiro, pacificar; e, segundo, governar para todos, sem distinções ideológicas ou preconceituosas. Se não o fizer, poderá até trazer paz momentânea aos mercados, mas desconstruirá a Nação.

Dentre os temas prioritários que podem contribuir para superação de ambos os desafios, há um que, apesar de sua significância e relevância econômica e social, não apareceu nas campanhas de qualquer candidato e tampouco em debates: o futebol.

Aliás, a omissão não foi privilégio dessas eleições; ao contrário, não houve candidato, desde 1989, que apresentasse o tema e propusesse o necessário enfrentamento público sobre futebol.

A sua decadência, portanto, não decorre do acaso e os responsáveis somos nós, brasileiros, a começar pelo Estado. Sim, o Estado. Por isso, o ponta pé inicial da recuperação sistêmica também depende dele.

Não há mais espaço para que o Estado subsidie clubes ineficientes e sustente a posição de cartolas que se apropriam do patrimônio futebolístico para a prática de atos em interesse próprio (ou que envolvem corrupção privada).

O atual marco regulatório está sendo utilizado para aprisionar o futebol, para sufocá-lo. Movimentos libertadores pontuais – como, aparentemente, o do Botafogo de Ribeirão Preto – não servirão para impulsionar, no curto prazo, uma transformação sistêmica. Somente o Estado-legislador, com o impulso do Estado-executivo, detém o poder transformacional.

Cabe ao Estado, portanto, reformular o anacrônico marco regulatório e oferecer os meios para que o futebol cumpra, de um lado, sua função social e unificadora, e, de outro, se projete como atividade econômica relevante, geradora de empregos e distribuidora de riquezas.

Vale lembrar: os principais países europeus já enfrentaram o problema e entregaram soluções que se adaptam às realidades dos times locais; os Estados Unidos adotaram modelo semelhante ao dos demais esportes de massa; o México flerta com o sistema estado-unidense; e, na América do Sul, Chile e Colômbia saíram na frente e já apresentam casos de abertura de capital e negociação de ações em bolsa. Enquanto isso, Brasil e Argentina defendem o encastelamento dos donos do futebol.

As soluções, por aqui, passam pela criação de um novo ambiente, de um novo sistema, sustentável, que pode abranger os times e jogadores, "apenas", ou, além deles, a própria estrutura de administração do futebol.

No primeiro e fundamental plano, criam-se (i) a sociedade anônima do futebol (SAF), que é uma entidade distinta dos clubes, proprietária dos ativos futebolísticos e sujeita a um regime próprio de governança, (ii) a debênture-fut, que se trata de um instrumento de financiamento privado da empresa futebolística, (iii) um regime tributário transitório e, não menos importante, (iv) instrumentos de convênio voluntário entre a SAF e escolas públicas para estimular a educação de crianças e adolescentes.

No segundo plano, oferecem-se incentivos para que a CBF se mutualize em favor dos times (mediante a criação e entrega de títulos patrimoniais), na sequência se desmutualize, com a transformação dos títulos em ações e, por fim, abra seu capital (CBF S.A.), gerando um mercado bilionário (sem exagero) que beneficiará a coletividade – especialmente os times, jogadores e torcedores.

E ainda, nesse segundo plano, caso se reconheça que a CBF S.A. se aproveita de patrimônio nacional, determina-se a cobrança de royalties, que podem ser destinados a um fundo, a ser gerido por uma instituição financeira (pública ou privada), a qual, por sua vez, reverterá a arrecadação para projetos que desenvolvam o futebol no país.

Pronto, aí estão, em brevíssimas palavras, os motivos para combater o estado de fim de festa do futebol, o apagar das luzes, o sumiço do povo; ao contrário, agora que se tem a chave na mão, é hora de abrir porta, antes que ela emperre. É hora de olhar para o futebol!

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.