Meio de campo

O futebol e a (inexistente) proposta de Jair Bolsonaro

O futebol e a (inexistente) proposta de Jair Bolsonaro.

17/10/2018

O programa de governo do candidato Jair Bolsonaro não trata do futebol. Nenhuma palavra a respeito.

Aliás, também não apresenta projetos para o esporte em geral. Absolutamente nada.

Por isso, o propósito desse texto, que se insere em uma série que aborda as iniciativas para o futebol apresentadas pelos principais candidatos à presidência, se esvai.

Talvez nem devesse ter sido iniciado. Ou melhor: poderia ser apresentado em branco, contendo apenas o título, o vazio do papel (ou da tela) e a assinatura do autor.

Essas soluções seriam, porém, um desperdício, pois a constatação merece reflexão.

Governos já se apropriaram do futebol em diversos momentos para afirmar regimes ou suas políticas.

Num passado que parecia distante, se cantou, com orgulho de ser brasileiro, que eram "Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil/ Do meu coração/Todos juntos, vamos/ Pra frente Brasil/Salve a Seleção!". O futebol foi instrumentalizado, naquele momento, portanto, para legitimar o desconexo discurso oficial.

Anos depois, na vizinha Argentina, a usurpação teve como propósito comprovar a supremacia de um sistema autoritário e corrupto. O tiro, no entanto, saiu pela culatra, pois a intensidade dos abusos cometidos maculou a história do País e do seu futebol. Coincidência ou não, de lá para cá, nenhum governo conseguiu resgatar o respeito de que outrora gozava no plano internacional – tampouco a confiança necessária para reunificar a nação.

Recentemente, o também autoritário governo russo despendeu bilhões de dólares para organizar a copa do mundo e tentar criar, por meio do futebol, a aparência de um país aberto, moderno e democrático.

Essas farsas poderiam ter estimulado, nas eleições brasileiras em curso, o movimento de apropriação do futebol para fins político-partidários; porém, nem para isso ele (o futebol) vem se prestando, o que revela a gravidade da situação: afinal, a importância que, de fato, tem, não é reconhecida por governos ou candidatos.

Ou seja, para o bem ou para o mal, o futebol está desacreditado. Ninguém o quer.

Isso mesmo: nenhum candidato – exceto, talvez, Guilherme Boulos, que trouxe em seu programa uma genuína, porém equivocada proposta organizacional – entendeu que o futebol poderia ser, neste país dividido e a caminho do colapso humano, uma legítima via contributiva de integração e de desenvolvimento econômico e social.

Mesmo o ex-presidente Lula, pessoa que melhor se relacionou e se comunicou com as massas desde a Proclamação da República, não se convenceu da relevância estrutural do futebol para o povo. Verdade: em texto publicado no Blog do Juca, logo após a derrota da seleção brasileira para a Bélgica, tratou-o como atividade secundária.

E Jair Bolsonaro, o que pensa sobre o futebol?

Não me refiro, óbvio, ao time que torce, às escalações desse ou daquele jogador, ou a questões táticas e técnicas; a especulação envolve sua compreensão do papel transformacional que essa modalidade esportiva pode ter na sociedade brasileira.

Será, aliás, que tem alguma?

Sinto-me tentado a afirmar, com base em seu programa de governo, que não.

Mas, como quase tudo que envolve o provável futuro presidente, a incerteza se sobrepõe à previsibilidade, e a dúvida se impõe à sociedade. Qualquer afirmação não passará, então, de palpite.

Resta, assim, torcer (e lutar) para o bem do Brasil e do povo brasileiro, para que o combalido esporte não seja empurrado para o precipício, pois, de lá, nem Deus – para quem nele acredita ou quase acredita – o resgatará.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.