Meio de campo

A mudança do futebol brasileiro está acontecendo em Ribeirão Preto

A mudança do futebol brasileiro está acontecendo em Ribeirão Preto.

10/10/2018

Texto de autoria de José Francisco C. Manssur

A rica e quente cidade do interior de São Paulo vive a boa notícia que pode significar a fagulha da verdadeira mudança estrutural de que o futebol brasileiro tanto precisa.

O centenário Botafogo Futebol Clube, time de Zé Mário, Raí e Sócrates, constituiu recentemente a sociedade anônima para gerir as atividades do seu tradicional futebol profissional.

O Botafogo Futebol S.A. será o primeiro caso de Sociedade Anônima do Futebol a adotar, ainda antes da aprovação do PL das SAFs, 5.082/2016 e, portanto, com as limitações disto decorrentes, os princípios e conceitos que Rodrigo Monteiro de Castro explica e defende com maestria e constância neste valioso espaço que hoje me cede, gentilmente.

O tradicional clube de Ribeirão Preto viveu recentemente situações de grande dificuldade, com dívidas aparentemente insolúveis, oficiais de Justiça comparecendo ao estádio em dias em dias de jogos para realizar penhora das rendas, disputas políticas acirradíssimas dificultando qualquer tentativa de administração do Clube, algo infelizmente corriqueiro para grande parte dos clubes de futebol do Brasil, atualmente.

Diante dos problemas, um belo dia o Botafogo decidiu mudar.

O marco da mudança se deu no momento em que os líderes políticos resolveram convergir em prol do interesse maior do Clube. O instrumento da mudança foi a aprovação de um novo Estatuto Social, no ano de 2017, que prevê expressamente a possibilidade e os procedimentos para a constituição de uma sociedade empresária para gerir as atividades do futebol profissional.

O novo Estatuto Social provocou o interesse do mercado. Um investidor decidiu aportar montante significativos no Clube por meio da integralização de capital para a constituição do Botafogo Futebol S.A. e participação na gestão. Outros investidores se apresentam interessados em conhecer o projeto. Inicia-se um círculo virtuoso, com equalização das dívidas, geração de novas receitas e busca de resultados em campo.

O Botafogo S.A. se pretende uma empresa que somente receberá oficiais de justiça em seu Estádio na condição de torcedores-clientes, para assistirem aos jogos comprando ingressos e se divertirem nos outros espaços de lazer que serão construídos por ali.

O Botafogo Futebol Clube aportou em favor do Botafogo Futebol S.A. seus registros e vagas junto à Confederação Brasileira de Futebol e Federação Paulista de Futebol. O que não é pouca coisa, em se tratando de um Clube que hoje está na Série A do Campeonato Paulista e na Série B do Brasileiro.

Aportou, ainda, os direitos – e deveres, logicamente - sobre os contratos de atletas e comissão técnica em vigor. Além do valioso direito de superfície para exploração da área e equipamentos do Estádio Santa Cruz.

Estão em curso reformas que pretendem criar no Estádio uma área de entretenimento para a cidade e a região. O lado oposto às tribunas atuais será reformado para receber um setor de lazer, serviços, camarotes corporativos e uma Arena de shows que pretende colocar Ribeirão Preto na rota dos grandes eventos artísticos e musicais. A gestão do Botafogo S.A. já negociou os naming rights desse novo espaço, que passa a se chamar Arena Eurobike. E isso tudo também vai gerar mais recursos para o Botafogo.

Os trâmites estatutários foram observados, com a realização de um estudo de viabilidade da constituição da nova empresa, aprovação do estudo pela Diretoria, pelo Conselho Consultivo, pelo Conselho Deliberativo e Assembleia Geral de Associados.

O clube decidiu incluir no seu Estatuto Social norma que assegura que o controle da empresa que veio a ser constituída será sempre do Botafogo Futebol Clube. Logicamente, na constituição da S.A. tal determinação foi plenamente observada.

Ou seja, o Botafogo comprovou na prática a tese de que constituir sociedade anônima para gerir o futebol não significa, automaticamente, ceder o controle do clube para "chineses", "árabes" e "forasteiros em geral". O clube cede o controle se e quando assim decidirem seus donos, ou seja, os seus associados, da mesma forma que os associados também têm a primazia de deliberar sobre a preservação do controle em favor da associação pelo período que assim desejarem.

Toda a mudança que o Botafogo decidiu fazer foi coroada com o acesso do time de futebol da Série C para a Série B do Campeonato Brasileiro logo nos primeiros dias após o nascimento da empresa. O Botafogo Futebol S.A. entrará em campo em 2019 com um calendário que ocupará o ano todo, receitas de TV aberta, TV paga e, inclusive, pay per view, tudo isso gerido de forma profissional e buscando sempre a busca do aumento de receitas novas, incremento das receitas existentes e controle dos gastos. Afinal, a busca do resultado financeiro é da natureza da empresa, tanto quanto não é, conforme o art. 53 do Código Civil, objetivo de uma associação.

Cheio de orgulho do momento que vive o seu Botafogo, contou-me o advogado Alexandre Bortolato, que ao lado de outros tantos abnegados e aguerridos advogados esteve à frente do Jurídico do Clube nos momentos de maior penúria financeira que - palavras dele: "até pouco tempo, eu era parado na rua pelas pessoas da cidade que me perguntavam quantas penhoras haveria ainda sobre receitas do Botafogo. Hoje eles me perguntam como podem fazer para comprar cotas do Botafogo Futebol S.A".

Realmente, em Ribeirão Preto está acontecendo algo que pode significar um futuro próspero e vitorioso para o futebol brasileiro.

__________

*José Francisco C. Manssur é advogado, coautor do livro "Futebol, Mercado e Estado" e do PL 5.082/16, que cria a sociedade anônima do futebol (SAF).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.