Meio de campo

O Estatuto Social da (Sociedade) Botafogo Futebol S.A.

O Estatuto Social da (Sociedade) Botafogo Futebol S.A.

29/8/2018

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo

Há algumas semanas, comentamos o projeto da Botafogo Futebol S.A. ("Botafogo S.A.") – uma sociedade anônima, constituída pelo Botafogo Futebol Clube ("Botafogo"), para gerir o futebol do clube e determinados ativos – e como ele poderia se tornar o embrião de um novo modelo organizacional da atividade futebolística no Brasil.

Naquela oportunidade, ainda não havia sido disponibilizado o Estatuto Social da Botafogo S.A., de modo que algumas observações careciam de confirmação.

Após acesso a esse documento, voltamos ao tema e passamos a tecer algumas considerações com maior precisão, acerca do modelo de governança idealizado.

O capital social "inicial" – isto é, a soma dos recursos aportados pelos acionistas em contrapartida às ações que receberão (ações, em definição bastante simplória, são unidades de participação na sociedade, conferidoras de direitos de sócios) – é de R$ 20.000.000,00, divididos em 20.000.000 de ações, todas ordinárias, sem valor nominal.

Desse montante, R$ 12.000.000,00 advieram de contribuições feitas pelo Botafogo, mediante a integralização de ativos como (i) registros do clube na Federação Paulista de Futebol e na Confederação Brasileira de Futebol, (ii) contratos com atletas, empregados e prestadores de serviços, (iii) bens móveis, (iv) contratos de locação, cessão ou comodato envolvendo imóveis utilizados para a prática do futebol, (v) direitos de propriedade industrial, e (vi) receitas de programas de sócios, entre outros listados no boletim de subscrição, os quais foram objeto de laudo de avaliação. Em razão desse aporte, o Botafogo subscreveu 12.000.000 de ações, correspondentes a 60% do capital social da Botafogo S.A.

As 8.000.000 de ações restantes, equivalentes a 40% de participação no capital social, foram subscritas pela Trexx Sports Participações Ltda. ("Trexx"), tendo sido uma parte (R$ 800.000,00) integralizada em dinheiro e à vista, com previsão de integralização do restante em até 24 meses.

Aos acionistas, reunidos em Assembleia Geral, compete aprovar, pelos votos representativos de, pelo menos, 75% do capital votante da Botafogo S.A., temas como (i) orçamento anual e plano de investimentos, (ii) dissolução, liquidação, transformação, fusão, cisão e incorporação da companhia, e (iii) investimentos ou desinvestimentos classificados como “relevantes” (aqueles que, individual ou conjuntamente, correspondem, em um mesmo exercício social, a 20% do ativo total consolidado da sociedade).

Apesar da posição majoritária ostentada pelo Botafogo, o clube não detém o poder de decidir sozinho matérias importantes; algo comum em negócios dessa natureza e justificável em função da participação da Trexx no capital social.

Além disso, foi celebrado um acordo de acionistas, que costuma versar sobre capitalização, diluição, endividamento, orientação de voto, preferência para aquisição de ações, indicação de administradores e outros aspectos. Em outras palavras, que trata do exercício do controle societário e, eventualmente, do empresarial. Por se tratar de documento privado, não pudemos acessá-lo, para consulta e comentários.

Quanto à administração da Botafogo S.A., ela se divide em uma Diretoria e um Conselho de Administração.

A Diretoria não é formada por 3 membros, como presumimos no último artigo, mas, sim, 4: Diretor Presidente Executivo, Diretor Administrativo Financeiro, Diretor de Marketing e Diretor de Futebol.

Apesar da competência individual de cada Diretor, o Estatuto estabelece que determinadas matérias devem ser deliberadas pela Diretoria, em atuação colegiada. São exemplos disso os seguintes temas: (i) prestação de garantias; (ii) assinatura de contratos de atletas e membros da comissão técnica das equipes de futebol profissional e de base, sem limitação de valor; e (iii) assinatura de contratos que gerem obrigações financeiras para a sociedade e não ultrapassem o montante de R$ 500.000,00.

A representação ativa e passiva da Botafogo S.A., em qualquer hipótese, incumbe a apenas 2 Diretores, um deles obrigatoriamente o Diretor Administrativo Financeiro. No entanto, como é uma prerrogativa do Diretor Presidente Executivo representar a sociedade em contratos de registro e de transferência de atletas, por exemplo, conclui-se que pactos dessa natureza só poderão ser assinados pelo Diretor Presidente Executivo em conjunto com o Diretor Administrativo Financeiro.

O Conselho de Administração, por sua vez, é composto por até 7 membros. Somente podem fazer parte do Conselho pessoas com (i) reputação ilibada e conhecimento notório em marketing, futebol, finanças ou administração de empresas ou (ii) diploma em curso superior. As prerrogativas de indicação desses membros não foram definidas no Estatuto; provavelmente, estão alocadas no acordo de acionistas.

Dentre outras atribuições, compete ao Conselho de Administração, por maioria dos votos dos seus membros presentes às respectivas reuniões: (i) fixar a orientação geral dos negócios; (ii) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da sociedade; (iii) aprovar a celebração de contratos com valor entre R$ 500.000,00 e R$ 2.000.000,00; e (iv) aprovar a emissão de debêntures simples com valor entre R$ 500.000,00 e R$ 2.000.000,00.

Foi prevista, ainda, a possibilidade de criação de comitês executivos pelo Conselho de Administração, para auxiliar a Diretoria na tomada de decisões, sendo permanente o funcionamento dos comitês de Auditoria e de Gestão Esportiva.

Quanto aos resultados financeiros percebidos pela Botafogo S.A., em razão do seu desempenho empresarial – isto é, o lucro –, uma parte deles será distribuída aos acionistas (clube e investidor), a título de dividendos, na proporção de suas participações societárias (60% x 40%), como deve ocorrer em sociedades anônimas – afinal, o objetivo dessas entidades é gerar lucro aos seus sócios. Nos termos do art. 32º, serão distribuídos, no mínimo, e obrigatoriamente, 25% do lucro líquido apurado no exercício, após os ajustes e deduções exigidos pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976). O saldo, se houver, terá a destinação definida pela Assembleia Geral.

Também existe previsão de instalação, a pedido dos acionistas, de um Conselho Fiscal com 3 membros efetivos e mesmo número de suplentes, eleitos pela Assembleia.

Percebe-se, assim, que o modelo estruturado para a Botafogo S.A. se assemelha ao adotado por companhias que atuam no mercado.

O Brasil olhará, com a devida atenção, aos próximos passos. Oxalá sejam exitosos.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.