Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo
A notícia de que o time All Blacks Maori enfrentará a seleção brasileira masculina de rugby despertou nossa curiosidade acerca do funcionamento da entidade reguladora do esporte no país. Rapidamente, a curiosidade transformou-se em surpresa, com a leitura do Estatuto da Confederação Brasileira de Rugby ("CBRu" ou "Confederação").
A CBRu consiste em uma associação civil, sem finalidade lucrativa, que, constituída por suas filiadas, que dirijam ou venham a dirigir a modalidade de rugby no Brasil, representa a entidade nacional de administração de referido esporte.
Dentre as suas finalidades, previstas no art. 7º do Estatuto, encontram-se as funções de difundir a prática do rugby no país, bem como organizar as suas competições.
Os poderes da Confederação, de acordo com o art. 33 do Estatuto, são: (i) a Assembleia Geral; (ii) o Conselho de Administração; (iii) a Diretoria Executiva; (iv) o Conselho Consultivo; (v) o Conselho Fiscal; e (vi) a Comissão Disciplinar e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
A Assembleia Geral é formada por um representante de cada Federação Estadual ou Regional de rugby, filiada à CBRu e com direito de voto. Somente poderão participar das Assembleias Gerais, contudo, as Federações que sejam filiadas à Confederação há, pelo menos, 2 anos, constem da relação publicada pela CBRu anualmente e atendam às exigências legais e estatutárias.
Além das Federações, os Atletas de rugby também terão representação nas Assembleias Gerais: os membros do Conselho de Administração eleitos pelos próprios Atletas serão os representantes no órgão assemblear, os quais deterão, em conjunto, direito a um voto.
As principais atribuições de competência da Assembleia Geral consistem em deliberar alterações ao Estatuto Social da Confederação, aprovar as contas da administração da CBRu e dar posse aos membros eleitos do Conselho de Administração, da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, além das outras listadas no art. 47.
Já o Conselho de Administração, nos termos do art. 48, é o órgão decisório e hierarquicamente superior da CBRu, subordinado à Assembleia Geral; passagem que deixa clara a sua importância na estrutura de poder da Confederação.
É composto por 12 membros, dos quais 5 são eleitos pela Assembleia Geral, 1 pelos Árbitros, 2 pelos Atletas – que, juntos, corresponderão a apenas 1 membro, tendo direito a apenas um voto – e os 5 demais, todos independentes (conforme definição constante do art. 49), indicados pela Comissão de Nomeação. O Presidente do Conselho de Administração será um dos independentes.
A Comissão de Nomeação, por sua vez, é constituída por 4 membros, todos do Conselho de Administração, dentre os quais, obrigatoriamente, o Presidente do Conselho de Administração (que, ressalte-se, é um membro independente), e a forma de sua constituição está regrada no art. 65.
A princípio, os 3 outros membros da Comissão são sugeridos pelo Presidente do Conselho. Contudo, os membros do Conselho de Administração também podem indicar seus candidatos à Comissão, desde que cada um desses candidatos seja indicado por, no mínimo, 3 membros do Conselho. Assim, se houver mais de 3 candidatos para fazer parte da Comissão, o Conselho de Administração decidirá a eleição, cabendo a cada membro do Conselho votar em 3 nomes, sendo eleitos os mais votados.
Percebe-se, assim, que a Assembleia Geral – órgão formado pelas Federações, essencialmente – não dispõe da prerrogativa de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração: órgão de importância para a Confederação.
Isto significa que o controle da CBRu não é garantido, pelo Estatuto, às Federações.
Afinal, o Conselho de Administração, além da competência de eleger a Diretoria Executiva – que é composta por um único Diretor, denominado Superintendente Executivo –, detém a atribuição exclusiva de deliberar matérias relevantes para a Confederação, como a aprovação do orçamento e do relatório anual de gestão, além da assinatura de contratos, títulos e acordos que envolvam responsabilidade financeira da CBRu em valores superiores a R$ 100.000,00, e do auxílio na fixação das diretrizes da gestão da entidade.
Assim, considerando que a Assembleia Geral – ou seja, as Federações, reunidas em órgão competente – não consegue, sozinha, eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração, constata-se que os associados da Confederação abdicaram do poder de controlá-la.
E é isso que surpreende.
Trata-se de um modelo que, curiosamente, funciona de maneira diversa do que ocorre, com frequência, em outras estruturas, sejam associativas, sejam societárias, nas quais os associados ou os sócios, conforme o caso, fazem questão de preservar poderes políticos suficientes para assegurar o controle da entidade – algo que se perfaz, dentre outros aspectos, pela indicação, direta ou indireta, da maioria dos administradores.
No caso da CBRu, os seus associados – isto é, as Federações –, de certa forma, abriram mão do poder de controlar a Confederação, tendo em vista que não conseguem exercê-lo sem a existência de um alinhamento com outras pessoas.
Mais do que isso: o modelo direciona o poder a pessoas estranhas ao quadro associativo, que podem dominar, eventualmente sem possibilidade de resistência, as decisões internas, e se perpetuar – diretamente ou por meio de membros de um mesmo grupo de interesses.
Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista e, especialmente, da qualidade e da intenção dos escolhidos para exercer os quadros administrativos independentes.
No entanto, esse modelo provocou algumas questões, que, com base nas informações disponíveis, não soubemos responder:
(i) o que motivou a sua implementação?
(ii) houve alguma contrapartida à perda de poder político ou as Federações o adotaram simplesmente por acreditarem que resultaria numa melhor forma de administrar o esporte?
(iii) poderiam as Federações ter organizado uma administração independente e profissional, sem, contudo, perder parte de sua influência na Confederação?
(iv) A perda de poder em favor de agentes externos não deveria estar associada ao aporte de recursos (logo, de uma eventual transformação da CBRu em sociedade empresária)?
Enfim, não temos condições de avaliar se a modelagem – e a abdicação (ou o compartilhamento, a depender do contexto) do poder de controle pelas Federações – tem sido frutífera ou infrutífera ao rugby no Brasil. Porém, podemos afirmar que se trata de um caminho inusitado e realmente surpreendente.