A decepção com o resultado da Copa do Mundo talvez seja exagerada e somente se justifique pela incrível campanha que se construiu em torno de Tite. Antes de sua chegada, a seleção brasileira brigava, com dificuldade, por uma vaga no mundial e poucos acreditavam nela. Portanto, o fracasso era, até aquele momento, esperado.
O treinador construiu, é fato, um discurso, imagens e um sonho. Muitos embarcaram. O tamanho do tombo é proporcional à expectativa que se criou.
O problema é que essa construção não foi – e não é – estrutural. A estrutura do futebol brasileiro continua arrasada, como estava quando Tite se sagrou campeão mundial de clubes pelo Corinthians ou durante o processo construtivo de sua narrativa, que forjou uma perspectiva messiânica.
Tite é um ser humano como qualquer outro e está fazendo o seu trabalho, movido pelos seus interesses pessoais – os quais não são, por isso, ilegítimos.
A esperança que se depositava na propositura de um projeto transformacional era ingênua, pois nunca foi sugerida por ele. E, pelo que se extrai friamente de seu discurso, também não é e nem será o seu propósito.
Devemos aceitar Tite como ele é: tentará ser campeão mundial, e nada mais. Para isso, ele não dependerá dos jogadores que participam dos campeonatos locais, pois os craques (ou não) que formam a seleção, geralmente, partem muito cedo e são formados no exterior. É de lá – do exterior, portanto – que ele importará a tecnologia para realizar o seu sonho.
O problema é que a terra, por aqui, continua arrasada e o Brasil insiste em tratar o futebol como algo irrelevante, supérfluo e, até certo ponto, alienante.
Apesar de ínfima parcela da sociedade alertar para a importância do futebol, quase ninguém o leva a sério. Nos poucos debates políticos em que se discutem ideias, ele não é suscitado. Aliás, antes disso, o tema do futebol também não costuma aparecer nos programas de governo de candidatos a cargos públicos. O que falar, então, de seu reconhecimento como tema de Estado?
Aí se revela a distância entre as funções social e econômica do futebol e a percepção da classe política – logo, da sociedade – a seu respeito: num ano eleitoral, de disputas acirradas e ideológicas, nenhum candidato se prestou a oferecer uma proposta de solução para a atividade que dezenas, muitas dezenas de milhões de brasileiros acompanham e entendem.
Nem mesmo uma proposta populista (ou eventualmente demagoga – não que eu defenda esse encaminhamento, obviamente) surgiu. Ninguém que não seja do futebol está, aparentemente, preocupado com o futebol.
O cenário é ainda mais desolador, pois, retomado o campeonato brasileiro, as pessoas que pertencem ao futebol voltaram suas atenções para os impedimentos, dispensas de treinadores, negociação de jogadores, etc., e, apenas eventualmente, quando mais um jovem talento é exportado, lembram de criticar o modelo e pedir soluções. Pedido que se perde – ou se esquece – já no próximo impedimento não marcado ou no seguinte gol mal anulado.
Essa indiferença é identificada até no ex-presidente Lula, o político que mais teve e tem identidade com o esporte, que viveu os louros e as mazelas futebolísticas e que teve legitimidade para propor a arquitetura de um modelo sustentável e adequado à sua importância.
Essa afirmação se extrai do próprio Lula. Em artigo escrito para o Blog do Jucá, na sequência da derrota para a Bélgica, ele afirmou que "[o] Brasil já não é o melhor futebol do mundo. Os melhores jogadores brasileiros saem para o exterior aos 15, 16, 17, 18 anos de idade. O Brasil virou um exportador de matéria-prima, que será transformada em craques no exterior".
Disse mais: "(...) que nós, brasileiros, aprendamos lições com as derrotas, olhando as virtudes dos adversários e também os nossos erros". E, para concluir, pede para que voltemos a "pensar no Brasil, nos grandes problemas que temos, e procurar as soluções para diminuir o sofrimento do povo".
Pois é. Se nem para Lula o futebol é um grande tema, para quem será? Quem será, aliás, o iluminado que perceberá que além de elemento fundamental da cultura do país, o futebol, como nenhuma outra atividade, pode (i) integrar pessoas e regiões, (ii) contribuir para a atração e a assiduidade de crianças e jovens em sala de aula, (iii) oferecer alternativas de trabalho em atividades diretas ou indiretas (incluindo alimentação, hotelaria, turismo e indústria), (iv) criar riquezas, muitas riquezas, para a sociedade (e para o povo, como Lula pede), e (v) deixar de ser uma fonte pífia de exportação (de pessoas), para tornar-se uma fonte de geração de tecnologia?
Talvez seja mesmo um projeto para um Messias, e não para um ser humano.