Período de Copa do Mundo costuma gerar um efeito interessante: muita gente resolve escrever sobre futebol. A imprensa e as mídias sociais trazem, diariamente, textos e mais textos sobre o tema, escritos por empresários, professores, sociólogos, historiadores, economistas, jornalistas que não costumam cobrir o esporte, advogados, etc.
O conteúdo varia, evidentemente. Em alguns casos se fala apenas do futebol praticado – ou que se deveria praticar. Os mais interessantes, em minha opinião, tentam fixar teses para justificar diversas situações, positivas ou negativas. Nesse grupo se proliferam as tentativas de demonstrar que a – suposta – apatia do torcedor decorre da falta de identificação com os jogadores.
Quando se oferecem caminhos para reversão desse cenário, a análise não atinge o verdadeiro problema da tal falta de identidade, que não é causada pelo êxodo prematuro de jovens promessas; o êxodo, ao contrário, é a consequência.
O que causa esse estado de coisas é o modelo de propriedade. Em poucas palavras, o futebol no Brasil é organizado e mantido pelas associações sem fins lucrativos (os clubes), sujeitas a modelos de governação compatíveis com as relações sociais internas e políticas que motivaram suas criações, mas incompatíveis com a complexidade das empresas econômicas que se desenvolveram com o tempo.
Soma-se a isso a impossibilidade jurídica de captação de recursos, tornando os clubes reféns da negociação de jogadores em formação e do fluxo de recursos provenientes de emissoras de televisão.
Para concluir, os clubes concorrem, não mais no plano nacional, mas internacional, com os principais times europeus, em sua maioria empresas, que captam recursos e os despejam em fornecedores de commodities.
Essa situação, aliás, não afeta apenas a periferia do futebol. O centro também não resiste à nova ordem. Times de países como França, Holanda e Bélgica raramente conseguem preservar seus principais jogadores, que partem, assim como os brasileiros, os demais sul-americanos e os africanos, para os três ou quatro países protagonistas mundiais.
Não há, pois, alternativa realmente viável se não houver uma reformulação estrutural que contemple vias de atração de financiamento do futebol brasileiro. E, aí, surgem dois caminhos: a subvenção e a hegemonia do Estado ou o mercado.
Quanto ao primeiro caminho, a realidade do esporte – e não apenas do futebol – demonstra a absoluta incapacidade do Estado brasileiro de prover a necessária política para formação de atletas de rendimento, como fazem países capitalistas, como os Estados Unidos, a Alemanha e, sim, a França.
Isso não quer dizer que o Estado não deva interferir. Deve, claro, porém, como regulador do ambiente adequado para preservar o futebol e, ao mesmo tempo, para formar um pujante e sustentável mercado, capaz de atrair investidores e financiadores da empresa futebolística.
Essa solução vai em sentido contrário da extravagante proposta de "taxação para valer [das] transferências de atletas jovens. É isso mesmo: medidas de intervenção no mercado. Sem medo de enfrentar o dogmatismo neoliberal que predomina nessas regras. Podia ser uma taxação pesada para venda de atletas de 17 até 20 anos. Aí iria diminuindo, pra zerar a taxa a partir, digamos, de 23 ou 24 anos. Não estou pensando na Lei do Passe, não é cercear o direito do atleta de se transferir e subir na vida. É cobrar o valor potencial do que o outro lado vai ganhar nessas transações internacionais"1.
Trata-se da fórmula definitiva para acabar com o futebol no Brasil e do Brasil. Primeiro, porque, infelizmente, no modelo atual, os clubes dependem dessas negociações para manterem-se ativos. Segundo, porque o fenômeno não é local, mas, mundial, e o fechamento não servirá para reverter a tendência (apenas para se isolar). Terceiro, porque países concorrentes aproximam-se, cada vez mais, da qualidade do futebol brasileiro e competem pela exportação de jovens talentos. Quarto, e realmente fundamental, a tal taxação não se reverterá para o futebol ou para os times, e se perderá na injustificável estrutura estatal. Quinto, porque impõe uma brutal limitação ao direito dos jogadores de decidirem seu futuro, ou seja, de partirem ou de ficarem.
Se o sistema contribuísse para que o futebol fosse forte, estruturado e rico, e os times pudessem não apenas manter seus ídolos, mas contratar ao estrangeiro, muitos dos jogadores que se aventuram, inclusive por países improváveis e sem tradição, ficariam por aqui, perto da família e dos amigos. A realidade, no entanto, é outra: os que ficam – geralmente por não terem a opção de partir -, enfrentam, em sua maioria, baixos salários, condições inadequadas de exercício da profissão, atrasos salariais e escassez de trabalho.
O problema, portanto, é estrutural, e se combate, logicamente, com medidas estruturantes.
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1 Historiador pede leis para dificultar saída de jovens craques do país.