O jornal Lance! publicou uma interessante matéria na edição de 11 de maio de 20181, em que trata dos problemas da estrutura do futebol argentino.
O ponto de partida é um projeto apresentado pelo governo do presidente Mauricio Macri, que tem como propósito induzir – ou determinar – a passagem dos clubes associativos, sem fins lucrativos, para a forma de sociedades empresárias. De acordo com a matéria, o projeto deverá atrair, na ótica governamental, recursos da iniciativa privada para o desenvolvimento do esporte e, consequentemente, contribuirá para o fortalecimento da economia nacional.
Porém, dezenas de clubes apontaram, em carta divulgada ao público, que o governo estaria privilegiando o capital privado em detrimento do Estado, e que, num contexto de fragmentação social, "a presença dos clubes, como articuladores e promotores", seria vital para a sociedade e para o futebol.
As questões que se colocam, diante desse aparente dilema, são relativamente óbvias: vital para quem? E qual o conceito de vitalidade que se pretende adotar, diante da decadência do futebol argentino, que depende, como nunca antes em sua história, de um Messias para salvá-lo do abismo.
A situação argentina se assemelha à brasileira. Todos os times profissionais daquele país adotam a forma de associações civis, sem fins lucrativos, e existe uma resistência, indisfarçada, à mudança do modelo, que abalaria, portanto, a secular estrutura de dominação que prevalece não apenas nos clubes, mas, sobretudo, na entidade local de regulação, administração e organização do futebol, a AFA – Asociacion del Futbol Argentino.
Outro aspecto peculiar, também indicado na matéria, envolve o Racing Club ("Racing"). O Racing é um time tradicional e vitorioso, que já levantou uma vez a taça da Copa Libertadores. Após se atolar em uma crise financeira e passar por uma decretação de falência, estruturou um projeto que previa a administração do futebol por uma sociedade anônima. Apesar da restrição estatutária contida no estatuto da AFA, inventou-se, com o seu apoio, uma brecha para que o Racing, controlado por uma companhia, participasse de campeonatos profissionais. O modelo não deu certo, os investimentos não apareceram, dívidas voltaram a crescer e o controle foi retomado.
Esse fracasso passou a servir, no imaginário coletivo, para demonstrar que propostas reformistas não são convenientes, que os clubes devem permanecer amadores sob a batuta de dirigentes não profissionais e que, no caso argentino, o Estado deve manter o protagonismo.
Aí está a consagração da fórmula do insucesso. Insucesso vivido, aliás, por praticamente todos os times argentinos, que se tornaram, assim como os brasileiros, exportadores de commodities.
O debate não evoluirá de modo adequado enquanto interesses corporativos e pessoais prevalecerem em relação aos verdadeiros valores que envolvem o futebol. O problema do Racing, por exemplo, não nasceu da sociedade anônima; ela foi usada como remédio miraculoso para o tratamento de doente terminal. Além disso, a "solução Racing" foi montada sobre uma estrutura casuística, que se prestava apenas a salvar um time tradicional e a pacificar uma possível crise social. O que se tentou, assim, foi o salvamento – ou a manutenção - do que existia.
Não tinha como dar certo. Como também não funcionarão novas tentativas de resgate, que não forem construídas sobre um sistema sustentável, pensado para, de um lado, proteger o futebol como bem cultural e, de outro, atrair investimentos privados.
O Brasil tentou, com a Lei Pelé, impor uma nova cultura. Também não funcionou porque se pensou apenas em aspectos formais. Achava-se que a transformação em empresa seria, por si só, a solução para os desmandos clubísticos. Não foi e não será, pois empresas que não têm acesso a recursos, a financiamentos, a meios de desenvolver suas atividades também não resistem e desaparecem. Assim como os clubes brasileiros e argentinos estão desaparecendo diante do poderio dos europeus, que se organizaram para captar, investir e dominar.
Aí estão os motivos da crise do futebol no Brasil e na Argentina. Ambos os países, aliás, estão fazendo um esforço monumental para destruir ativos que europeus e asiáticos pagam bilhões para se apropriar.
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