Meio de campo

Para não dizer que não falei do São Paulo (e da importância de Raí)

Para não dizer que não falei do São Paulo (e da importância de Raí)

4/4/2018

Hesitei (e muito) antes de abordar esse tema. Não queria soar corneteiro. Superada a hesitação, pois, aqui, as cornetas não soarão, convenci-me de sua pertinência.

Como (quase) todo brasileiro, (tenho certeza de que) sou um especialista em futebol. Acho que entendo tudo do esporte. E não é só isso: também acho que jogo muita bola e que sou o treinador mais capacitado para solucionar os problemas do meu time. Ah, faltou dizer que eu também seria a melhor pessoa para presidir o clube.

Pois é, o futebol tem essa peculiaridade: transformar seres racionais em irracionais; intelectuais em ogros e, claro, ogros em intelectuais. Daí a dificuldade que temos (sim, no plural) de reagir adequadamente a certas situações.

Torcedores, em sua grande maioria, são imediatistas; aliás, não apenas isso: realizam, também, avaliações delimitadas, que se traduzem, basicamente, em gols e títulos.

Num país como o Brasil, em que o planejamento estratégico ainda é incipiente e que, sobretudo, a organização da empresa futebolística se sujeita ao modelo introduzido no século XIX, não resta, mesmo, outra possibilidade senão exigir, sempre e apenas, resultados imediatos.

Portanto, o circo, desacompanhado do pão, é motivo suficiente, nesse setor da sociedade, para conter a ira coletiva; mas a sua ausência também é, por outro lado, justificativa para incitação da barbárie.

Todo time vive – ou viveu – situações extremas. O São Paulo, por exemplo, ganhava tudo no período em que foi capitaneado por Raí e comandado por Telê Santana. Por outro lado, desde 2008, tem se portado como coadjuvante. Com exceção de um título secundário, passou mais tempo lutando contra o rebaixamento do que pelo topo.

Esse cenário revela um problema estrutural, que vem lá de trás. Ou seja, não decorre de desajustes conjunturais ou de ações pessoais. Por isso, se a estrutura não for revista, não se resgatarão os tempos de glória.

Aliás, quando se olha para a organização do futebol mundial, se conclui, sem muito esforço, que poucos times são protagonistas, e que a característica que os identifica é a capacidade de gerar (ou atrair) recursos para realização de investimentos realmente relevantes. Quem não tem dinheiro está murchando; o futebol atual é, gostemos ou não, concentrado em times-seleção.

Porém, nenhum grande clube brasileiro está organizado para dar o passo que os europeus deram, e, assim, vão se consolidando como meros exportadores de commodities.

O São Paulo talvez seja o único que vem tentando romper com esse estado de coisas – apesar das frustações em campo.

No plano estrutural, iniciou-se e se concluiu um estudo de viabilidade da separação dos ativos sociais dos ativos do futebol, que seriam, estes, vertidos em uma sociedade empresária independente, autônoma e organizada de maneira profissional.

Paralelamente, no plano operacional, a condução do futebol foi atribuída a uma pessoa que se preparou, e muito, para esse momento. O atual diretor de Futebol, Raí, abandonou o conforto de uma bem-sucedida carreira construída fora do campo de jogo para expor-se ao julgamento das massas que se desintegram nas mídias sociais.

Nós (e aqui o plural é necessário), torcedores, reclamamos do amadorismo dos dirigentes, das relações promíscuas de apadrinhamento, da falta de profissionais na condução do futebol e de tantos outros movimentos erráticos, mas, quando um movimento transformacional se realiza, continuamos a falar de impedimento, cartão amarelo, pênalti e outros lances puramente esportivos. Somos, portanto, seletivos – e, aparentemente, superficiais - em nossas análises e preocupações.

A ausência de títulos pesa nesse momento. Mas, Raí, de quem Sócrates se tornou irmão, é a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo. Ele precisará, no entanto, de tempo para implementar as mudanças que darão uma nova perspectiva ao time (já iniciada com a vinda de uma dupla de executivos, coincidentemente ambos ex-zagueiros, Lugano e Ricardo Rocha), e essa implementação está associada ao outro movimento, tão ou mais importante, que é a separação do futebol.

A conjunção desses movimentos indicará que algo novo – e realmente importante – poderá surgir: a necessária reforma estrutural.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.