O ambicioso plano da China de se tornar uma potência do futebol mundial foi objeto desta coluna, no ano passado1. Reestruturar o ecossistema futebolístico local, por meio de investimentos em formação de atletas e, principalmente, pela criação de uma cultura esportiva, é propósito declarado do país asiático, que almeja alcançar posto de elite no futebol compatível com a força de sua economia.
Os primeiros sinais da desejada revolução foram percebidos já na implementação de medidas de fortalecimento da liga local, que passou a contar com estrelas mundiais, contratadas por cifras astronômicas.
Mas, os esforços não pararam por aí. O plano de crescimento do futebol chinês extrapolou suas fronteiras. Dos últimos anos para cá, investidores locais conduziram movimentos mais arrojados, adquirindo participações em times europeus, a exemplo de Manchester City, Atlético de Madrid, Internazionale e Milan.
Aliás, em 2017, notícias davam conta de que mais de uma dezena de equipes europeias haviam recebido investimentos de chineses2, que se tornaram os maiores investidores internacionais3.
Dentre as várias possíveis razões para essas alocações de recursos, em escala mundial, destaca-se a atratividade do mercado futebolístico, que já se mostrou rentável.
Contudo, a atratividade não se restringe à remuneração imediata dos investimentos. Existe um pano de fundo, tão ou mais importante, que guarda relação com a estratégia da China de se tornar uma potência do esporte.
Investir em times europeus confere aos chineses a possibilidade de aprender com quem, supostamente, detém maior expertise no assunto; isto é, beber direto da fonte. Passam, assim, a ter contato com experiências bem-sucedidas nos aspectos esportivos e, até mesmo, empresariais de um mercado bastante específico, conforme o caso, absorvendo técnicas e conceitos relacionados, por exemplo, à formação de atletas – que parece ser, no momento, obsessão da China.
Além disso, a associação do país e de investidores locais a marcas com penetração mundial, e, em muitos casos, objeto de idolatria, acrescenta um valor intangível expressivo.
Cite-se o exemplo do Atlético de Madrid, cujas ações foram, em parte, compradas em 2015 por um grupo de investidores chineses – que, neste ano, inclusive, vendeu sua participação a uma companhia israelense4.
Na época da aquisição, declarou-se que um dos objetivos do acordo era promover melhorias no futebol da China, por meio da abertura de escolas do Atlético no país asiático e da inauguração de um centro juvenil na capital espanhola, para formar atletas chineses e, assim, fomentar o desenvolvimento local do esporte.
Em 2016, foram divulgadas notícias de que investidores chineses estariam interessados também no Benfica, um dos mais tradicionais times de Portugal.
O Benfica é organizado sob a forma de Sociedade Anônima Desportiva – SAD: uma estrutura societária com foco empresarial, que, a princípio, permite maior aproximação do mercado e facilita a obtenção de recursos.
Basicamente, há duas formas mais comuns de entrada desses investidores: através de aumento de capital ou por aquisição de ações já existentes, variando de acordo com as negociações travadas entre as partes envolvidas no negócio. Um investimento por meio de aumento de capital permite a injeção de recursos diretamente na entidade futebolística, enquanto na hipótese de aquisição de ações o proprietário da participação vendida é quem recebe preço.
O negócio com o Benfica, entretanto, ainda não foi para frente. Coincidência ou não, o time português não dispõe de recursos para competir com os seus rivais europeus. Aliás, não apenas o próprio Benfica, mas, também, os demais grandes times nacionais, como Porto e Sporting; equipes que, apesar da tradição histórica, vêm se limitando, na atualidade, ao papel de "trampolins": estágios de adaptação de jogadores internacionais à Europa e seu futebol.
É sintomático, assim, que o último grande título conquistado por um time lusitano (a Liga dos Campões de 2003/2004, vencida pelo Porto) seja anterior aos contemporâneos instrumentos de investimento na atividade do futebol.
Daí se extrai que, tanto no plano local, quanto no plano internacional, será protagonista o time que tiver acesso ao financiamento da empresa futebolística, restando aos demais a simples coadjuvância (ou um eventual protagonismo esporádico e heroico).
Todos esses movimentos, por fim, evidenciam uma inquestionável realidade: a busca por conhecimento futebolístico, na dimensão esportiva, e de formação de atletas, principalmente, parece ser mais um motivador para os investimentos no futebol, a exemplo do que fazem os chineses.
Esta é, aliás, uma postura bastante arrojada, sem dúvidas; mas que se compatibiliza com a ambição e a dimensão da China.
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1 Muralha da China.
2 Com a venda do Milan, 14 clubes europeus estão nas mãos de investidores chineses.
3 China é o maior investidor do mundo desde 2014.
4 Grupo chinês vende participação no Atlético de Madrid para companhia israelense.