Meio de campo

O resgate do Colo-Colo por meio do mercado de capitais

O resgate do Colo-Colo por meio do mercado de capitais.

8/11/2017

No futebol do Chile, o Colo-Colo é referência não só dentro de campo, mas fora dele também. Maior vencedor de toda a história do Campeonato Chileno e o 7º da América Latina em número de participações na Copa Libertadores, a equipe de Santiago alia suas conquistas futebolísticas a um modelo de gestão embasado em conceitos modernos.

Em 2005, o Club Social y Deportivo Colo-Colo – figura jurídica equiparável às associações, sem fins lucrativos, sob as quais se organizam os clubes brasileiros – celebrou um contrato de concessão com a Blanco y Negro S.A. ("BYN"), por meio do qual transferiu à BYN a incumbência de gerir os seus ativos, especialmente os relacionados à atividade futebolística, incluindo, por exemplo, marcas, contratos, direitos de transmissão, licenciamentos, e direitos econômicos e federativos de jogadores.

A BYN foi constituída especificamente para o fim de desempenhar a gestão dos ativos do Colo-Colo. O seu objeto social consiste na organização, produção, comercialização e participação em espetáculos e atividades profissionais de entretenimento e recreação de caráter desportivo e recreacional, bem como em outras atividades relacionadas ou derivadas, além de atividades educacionais. Em 2007, a BYN abriu seu capital na bolsa de valores de Santiago.

Esses movimentos refletem bem a necessidade de buscar o desenvolvimento, o crescimento e o aumento de receitas do "negócio futebol".

Ressalte-se que o contexto em que o Colo-Colo estava inserido à época da celebração do contrato de concessão, e que o levou à adoção dessa medida, era bastante similar ao vivenciado, hoje, pelo futebol brasileiro: clubes afundados em dívidas impagáveis, geração de caixa insuficiente, incapacidade de captação de recursos, violência nos estádios, má organização dos campeonatos e calendários, emigração constante e progressiva dos atletas mais talentosos e crise econômica do país, entre outras razões, todas listadas no preâmbulo do próprio Contrato de Concessão.

O colocolino, então, encontrou na formatação que envolve a BYN a oportunidade de obter uma melhor exploração de seus ativos, com vistas a, principalmente, conseguir reverter a sua péssima situação financeira.

Sem dúvidas, tratou-se de uma decisão carregada de emoção, especialmente em razão do pesadelo experimentado pelo Colo-Colo em 2002, quando teve a sua falência decretada pela justiça chilena.

Contudo, não foi mal pensada, nem mal executada, pois, pelo menos no papel, apresenta elementos que fazem sentido do ponto de vista organizativo. O Club Social y Deportivo Colo Colo, por exemplo, é o único acionista da BYN titular de ação de tipo especial ("Serie A"), que lhe confere o direito de eleger 2 dos 9 membros do Directorio da BYN. E esse privilégio, que é exclusivo da associação, será mantido pelo prazo de 35 anos contados da constituição da BYN, em 2005.

Além disso, deve ser ressaltado que o clube não perdeu a titularidade dos seus ativos: apenas delegou a gestão destes a uma sociedade empresária, com fins lucrativos e maior capacidade de captar recursos e empregar técnicas de gestão compatíveis com as demandas do mercado.

A BYN conta com 7.268 acionistas. O maior deles é a Larrain Vial S.A., uma das maiores corretoras do Chile, especializada em serviços financeiros e com atuação internacional, que é titular de ações representativas de pouco mais de 50% do capital. O segundo maior acionista é o BTG Pactual Chile S.A., titular de 9,5% das ações de emissão da BYN. Apesar da titularidade de ação Serie A, o Club Social y Deportivo Colo-Colo detém participação minoritária na companhia.

A administração da BYN é desempenhada por um Directorio (Conselho), composto de 9 membros, dentre os quais 1 Presidente, 1 Vice-Presidente e os demais sem designação específica. Abaixo do Directorio, e sob sua égide, destacam-se 4 principais executivos: 1 Gerente Geral e de Administração e Finanças, 1 Diretor Desportivo, 1 Diretor Desportivo de Futebol Jovem e 1 Gerente Comercial.

Por se tratar de uma companhia aberta, o nível de transparência da BYN é elevado. São divulgados, periodicamente, fatos relevantes ao mercado, além dos relatórios anuais da administração, contendo os pareceres dos auditores independentes e as demonstrações financeiras consolidadas, validadas pela auditoria externa.

Além de conduzir, diretamente, a atividade futebolística do Colo-Colo, a BYN possui uma subsidiária, a Comercial Blanco y Negro Ltda., da qual é titular de 99,99% do capital social, que foi constituída em 2007 para operar os projetos comerciais da BYN. A gestão do Estádio do Colo-Colo também é desempenhada pela BYN, mas, em razão de outro contrato de concessão celebrado com o Club Social y Deportivo Colo-Colo, por meio do qual a BYN "controla" a Inmobiliaria Estadio Colo-Colo S.A.

O comportamento do valor das ações da BYN apresenta oscilações relevantes desde a abertura de seu capital, em 2007, ao preço de emissão de cerca de 200 pesos chilenos. Em 2014, atingiu o pico de quase 400 pesos chilenos, até regredir aos atuais 176 pesos chilenos por ação.

Algumas conclusões podem ser extraídas desse caso, sendo a principal o fato de a arquitetura societária ter resgatado o Colo-Colo da bancarrota e ter-lhe possibilitado o ressurgimento, por meio, principalmente, da organização e estabilização de suas finanças. De 2005 para cá, a ameaça de extinção do Colo-Colo foi afastada, e 8 títulos nacionais (5 Torneios Clausura e 3 Torneios Apertura) acrescidos à coleção.

O Colo-Colo é um exemplo que deve servir, se não de inspiração, pelo menos de comparação para os clubes brasileiros, que continuam estagnados, correndo o risco de se sufocarem no próprio amadorismo e na falta de criatividade.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.