Na introdução à edição de 1989 da obra História Social do Jazz, Eric Hobsbawm apresenta os fatores que transformaram a indústria musical, a partir da década de 1950, com consequências relevantes para o estilo que se difundiu sobretudo dos ambientes frequentados pelos negros norte-americanos: o jazz.
O principal desses fatores foi o surgimento do rock-and-roll ("rock"). Apesar da influência que o jazz exerceu sobre o próprio estilo nascente, assim como sobre uma vertente embalada para atrair o interesse da classe média formada pela população branca – o rhythm-and-blues –, o movimento antropofágico, segundo o autor, se revela pelo crescimento da venda de discos, que alcançou, de 1955 a 1959, a impressionante taxa de 36% ao ano.
O novo estilo atingiu crianças e adolescentes em cheio, tornando-se, assim, a música de uma geração, ou melhor, de uma faixa etária, e não de uma minoria, confinada em guetos ou formada por apreciadores que creditavam ao gosto musical uma superioridade estética – ou ética.
A vitalidade do rock - associada às suas performances mais e mais teatrais e às novas tecnologias, que transformaram aparições pseudo-artísticas em grandes espetáculos de entretenimento - distanciou o público do jazz.
Assim, se, por um lado, os músicos de jazz foram levados a buscar novas fontes para resgate e afirmação histórica de um estilo que, mais do que tudo, anunciava posições políticas – a exemplo das aproximações com a música latina e africana –, de outro a industrialização em larga escala, formadora de uma "arte de amadores e pessoas musicalmente ou até mesmo formalmente analfabetas", que transformou "técnicos de som e profissionais de estúdio [em] parceiros em termos equalitários na criação de um número musical, principalmente porque a incompetência dos artistas de rock era geralmente de tamanhas proporções que não se poderiam produzir gravações ou mesmo apresentações de outra maneira", encurralou a produção jazzística.
Daí a busca pela aceitação, ou por estilos que incorporassem elementos da música globalizada. A fusão, sob a batuta de Miles Davis, expressa essa aproximação.
No final da década de 1970 se caminhava, portanto, à morte do jazz – como, aliás, também se decretava, em outro segmento, a morte de secular manifestação artística que não fizera concessões aos movimentos vanguardistas: a pintura.
Paradoxalmente, o rock, segundo Eric Hobsbawm, começou, nesse período, a dar sinais de esgotamento, contribuindo para o retorno do jazz como afirmação musical e cultural. Este retorno, no entanto, não se dá sobre as mesmas bases históricas.
O jazz deixara de ser a música de classe, dos guetos, posição que passa a ser ocupada por manifestações menos preocupadas com sua função social e política; em seu lugar se constrói uma narrativa alienada e alienante, porém nada suave, que arrebata crianças e adolescentes sob as batidas do rap. O jazz, por outro lado, ascende "tanto econômica quanto intelectualmente no mercado, à medida que seu público tornou-se mais velho [ ...] e encaminhou-se para um tipo de experiência mais consciente e, certamente, mais cara".
O futebol brasileiro pode ser analisado pelas lentes históricas do jazz: apequenado pela evolução dos mercados europeus – que oferece um atrativo maior ao público jovem, seduzido pelas novidades do entretenimento futebolístico –, tenta, sem sucesso, copiá-lo, pelo que havia – ou há – de menos apropriável: a forma dura e burocrática do jogo do velho continente, transformando a poesia local, como a ela se referiu Pier Paolo Pasolini, em dura e fria prosa.
O insucesso dessa tentativa revela um problema estrutural: a ausência de meios de concorrer com o produto menos qualificado e generoso do ponto de vista criativo, mas que, unido a técnicos e técnicas exteriores, e meios de financiamento da empresa futebolística, transformam o futebol em um grande show. Com isso se atinge o ápice do futebol-espetáculo (protagonizado dentro e fora de campo, como expectativa, como experiência).
O modelo local que se vem praticando está equivocado. Além da submissão à forma do jogo, as iniciativas, quando executadas, mostram-se insensíveis à realidade: tenta-se provocar uma transformação da economia futebolística, tornando-a, como o jazz, uma experiência elitista. Rompe-se, assim, com as suas origens, com a sua feição mulata, pobre, espontânea e criativa.
Aí está o equívoco.
Não deveria haver, no processo, excluídos; apenas inclusão. O futebol deve ser o local onde as diferenças – apesar de notáveis, sobretudo pela existência, justificável, de setores elitizados pelo preço – se atenuam e as cores do time aproximam os desiguais. Uma experiência democrática e humanista, portanto.
O resgate e a afirmação do futebol brasileiro, como bem cultural de referência, de influência e de projeção, dependem da aceitação de sua natureza. E essa natureza somente se preservará e projetará se, num ambiente competitivo e hostil, levantarem-se recursos, realmente vultosos, para sua proteção.
Aí se revela a função de (e do) Estado; aliás, mais do que função, um dever: de prover o ambiente regulatório para que uma atividade indissociável da história de seu povo, se afirme, de um lado, como bem cultural do brasileiro e, de outro, como empresa econômica, atrativa e rentável, para cumprir suas funções econômicas e sociais. Ou se verá, como na evolução do jazz, a transposição afetiva para novas referências, que substituirão – como já substituem – os vínculos locais.