Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo
Aparentemente, a aproximação do futebol ao modelo empresarial é uma obsessão no Figueirense. No passado, já se ensaiou tentativa. Cite-se a constituição, anos atrás, da Figueirense Participações e Gestão Desportiva S.A. ("Figueirense Participações"), empresa para a qual o clube "terceirizou" a gestão do futebol.
À época, o clube transferiu à Figueirense Participações a incumbência de conduzir as atividades futebolísticas, incluindo a administração da marca, dos contratos e demais ativos relacionados, os quais, antes, eram exclusivamente de competência do clube e de seu departamento de futebol.
O negócio envolveu, portanto, a segregação do gerenciamento do time, que se concentrou em uma sociedade anônima de capital fechado, controlada por membros do conselho de gestão do clube. Por outro lado, a concepção organizacional do clube Figueirense não foi modificada naquele momento; manteve-se como associação sem fins lucrativos, e assim permanece até hoje.
No início de 2010 o negócio terminou e a condução do futebol resgatada pelo clube. Restou, no entanto, a promessa: um comitê de transição seria criado para estudar um novo modelo de gestão das atividades futebolísticas.
Parece que essa promessa se cumpriu. Em agosto deste ano (2017), anunciou-se a celebração de parceria com um fundo de investimento internacional, que assumiu a gestão do futebol pelos próximos 20 (vinte) anos.
Pouco se sabe sobre essa parceria, mas, as (escassas) informações divulgadas dão conta de que uma sociedade empresária fora constituído para ser o veículo pelo qual o fundo desempenhará suas atividades.
Ao que parece, o investidor assumirá todas as dívidas do Figueirense (beirando, hoje, os R$ 80 milhões) e passará a controlar os ativos relacionados ao futebol, a exemplo dos contratos, direitos federativos dos atletas e estrutura física, incluindo o estádio Orlando Scarpelli.
Como condições impostas ao fundo de investimento, existem, aparentemente, cláusulas de desempenho, prevendo, por exemplo, (i) a manutenção do Figueirense na Série A do Campeonato Brasileiro durante, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vigência da parceria, e (ii) a possibilidade de rescisão, por parte do clube, se o time for rebaixado à Série C da liga nacional. Caso a intenção de rescisão, no entanto, parta do fundo de investimento, a gestão do futebol deverá ser devolvida ao clube nas mesmas condições atuais.
As promessas saltaram aos olhos: injeção de R$ 10 a R$ 15 milhões já neste ano de 2017, contratação imediata de jogadores e indicação de técnico de confiança do investidor (Milton Cruz, com curtas passagens interinas como técnico do São Paulo), investimentos nas categorias de base, construção de uma arena, participação na Copa Libertadores da América em 5 (cinco) anos e na Copa Sul-Americana, pelo menos por 6 (seis) vezes, nos próximos 20 (vinte) anos, e conquista de títulos nacionais. É um discurso ambicioso e bastante atrativo, sem dúvida.
Portanto, a aparente vontade do Figueirense de se desenvolver e se consolidar como uma potência no futebol nacional é legítima.
Contudo, há diversos pontos de interrogação e aspectos, eventualmente, problemáticos no modelo escolhido – escolha essa que, ao que parece, foi fortemente influenciada pelo péssimo momento vivenciado pelo time no primeiro turno da Série B do Campeonato Brasileiro de 2017.
O mais relevante deles diz respeito à similitude que essa parceria parece ter com os tantos outros projetos malsucedidos, que foram desenvolvidos logo após o advento da Lei Pelé (lei 9.615/1998).
Investimentos com essas características, envoltos em mistério e sigilo, não se mostraram, até hoje, um modelo organizacional capaz de (i) desenvolver, de forma sustentável, a empresa futebolística e (ii) gerar uma relação profícua entre investidores e investido. Além disso, vão na contramão de recentes movimentos internacionais.
Alguns casos são emblemáticos. O PSG é time de dono. Todos o conhecem. Sabem quais são seus planos e os riscos envolvidos. Esse estado de coisas não afastou a torcida do estádio; ao contrário. O Bayern também atua sob a forma de uma companhia, controlada pelo Clube Bayern, mas que tem, como acionistas, Adidas, Audi e Allianz. Esse modelo também não repeliu sua torcida. Já o Porto, igualmente uma companhia, tem suas ações admitidas à negociação em bolsa de valores.
Esses processos são irreversíveis.
O Brasil está muito atrasado e caminha para tornar-se um mero formador de commodity. Por isso, o surgimento de investidores interessados em resgatar a potencialidade de times locais deveria ser comemorado. A comemoração, no entanto, ocorrerá se, e apenas se, se tiver visibilidade absoluta a respeito das pretensões e dos interesses envolvidos.
Novamente, a decisão da administração do Figueirense pode, eventualmente, mostrar-se, no futuro, acertada, ou não. Acertar ou errar faz parte da função do administrador. O problema é a escuridão.
Por estes motivos que a proposta de criação da Sociedade Anônima do Futebol – SAF faz sentido, pois oferece aos clubes a oportunidade de se adequarem aos conceitos modernos de gestão e governança corporativa, indispensáveis à atração de bons financiadores, mitigando riscos em benefício da preservação do próprio futebol, como elemento cultural arraigado na sociedade brasileira.
Enquanto não se refundar a estrutura do futebol brasileiro, as iniciativas – mesmo que, na essência, bem intencionadas – isoladas e pouco transparentes continuarão a estimular a sensação – ou a certeza – de que se mantém o aviltamento do patrimônio futebolístico nacional.
Torçamos, entretanto, para que, um dia, não se perceba, subitamente, que
a festa [ou o jogo] acabou,
a luz apagou,
o [investidor ou a torcida] sumiu.