Meio de campo

Apontamentos sobre a competência e a finalidade do Conselho Fiscal doSão Paulo Futebol Clube - "SPFC"

Apontamentos sobre a competência e a finalidade do Conselho Fiscal do São Paulo Futebol Clube - "SPFC".

16/8/2017

O Estatuto do SPFC trouxe uma série de novidades para o mundo do futebol brasileiro. Uma delas foi a concepção de um Conselho Fiscal que se assemelha ao órgão homônimo das companhias abertas. Imagina-se, assim, que, após décadas de convivência com um modelo formalista, o clube passará, em todas as esferas afetadas pela reforma estatutária, por período de transição, até que o funcionamento se coadune com os propósitos que nortearam sua concepção.

Essa tolerância não deve ser confundida, no entanto, com inobservância ou desvirtuamento de seus comandos. Ela também não pode ser interpretada como uma autorização para que se deixe de observar e aplicar o Estatuto. Aliás, não existe este tipo de liberalidade. Ao contrário, nele se prevê uma série de medidas punitivas, inclusive a responsabilização civil dos infratores.

Nesse cenário, o Conselho Fiscal merece especial atenção.

Sua principal função é fiscalizar. Um órgão com esta competência, mesmo que se insira, como de fato se insere, num ambiente político, não pode ser instrumento de pequena ou grande política. A contaminação se presta a reduzir – ou impedir – sua funcionalidade e sua importância.

Por esse motivo se estabelece, no art. 88, que o membro do Conselho Fiscal não pode ter ocupado, no mandato anterior, cargo no Conselho de Administração ou na Diretoria. Além disso, proíbe-se a candidatura de associados que integrem o Conselho Deliberativo, o Conselho Consultivo, o Conselho de Administração e a Diretoria (cf. art. 83, §1o).

Também se fixa, no art. 95, §1o, que os seus membros deverão exercer suas funções no exclusivo interesse do SPFC. Esta norma autoriza o permanente acompanhamento, pelos órgãos próprios, da atuação de cada conselheiro fiscal e a correspondência com as competências estatutárias. Ou seja, orienta o processo de verificação de condutas e se projeta sobre a atuação individualizada de cada membro.

O conselheiro fiscal que atua com o propósito de fazer política, de usar seu poder fiscalizatório para atingir fins que não interessem ao SPFC – mas a pessoas ou grupos específicos –, se incompatibiliza com a função. O conflito é insuperável, pois se perdem os requisitos de autonomia e independência para fiscalizar. Passa o conselheiro a fazer política, a atuar politicamente, sendo o poder fiscalizatório o instrumento ilegítimo desse propósito.

O fato de o órgão deliberar por maioria de votos de seus membros, na forma do art. 91, não abala a noção de incompatibilidade. Isto porque, mesmo vencido na formação da vontade, certas atribuições são singulares, podendo servir, assim, para a criação de fatos políticos irreversíveis.

Por isso, aliás, que se veda a prática de qualquer ato, pelo Conselho Fiscal, estranho à sua função fiscalizadora, inclusive a interferência em atos de competência do Conselho de Administração e da Diretoria.

Fixados, até aqui, os limites de atuação do Conselho Fiscal, passa-se, agora, a investigar, de modo sucinto, o alcance dessa atuação.

O poder fiscalizatório não é absoluto. O tempo impõe ao órgão uma restrição, que se relaciona, é bom recordar, com a extensão da responsabilidade de seus membros. O art. 95 equipara a responsabilidade do conselheiro fiscal à dos demais administradores, determinando que respondam pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo.

Por esse motivo, a função fiscalizatória se inicia no momento da posse e se projeta sobre atos praticados a partir do exercício em relação ao qual cumprirá suas funções. O poder fiscalizatório, assim, não se projeta para trás, especialmente pelo fato de já se ter cumprido o ritual de sujeição ao próprio Conselho Fiscal, que emitiu parecer, e aprovação posterior por órgão colegiado, como o Conselho Deliberativo. Opera-se, portanto, o esgotamento funcional.

Admitir a abertura ou revisão de atos pretéritos, ademais, implicaria, para o fiscalizador, a ilimitação de sua responsabilidade, pois dele se poderia cobrar a permanente revisão de negócios concluídos, apreciados, fiscalizados e aprovados, sob pena de imputação de responsabilidade com base em omissão ou culpa. Num ambiente de tamanha incerteza e exposição, a reação à fiscalização tenderia a ser justamente o ataque ao agente fiscalizador.

Portanto, o sistema também é arquitetado para proteger o conselheiro fiscal de atos políticos, realizados com o propósito de impedir o cumprimento de sua função fiscalizatória da administração em curso.

Por outro lado, seu poder fiscalizatório, que é um poder-dever, não se restringe à verificação numérica ou de demonstrações financeiras. O art. 90, para evitar essa equivocada inferência, estabelece, expressamente, que lhe compete "fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos praticados pelo Conselho de Administração, pela Diretoria Eleita, pela Diretoria Social e pela Diretoria Executiva, e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários".

O acesso a documentos que deram origem aos números e a explicação sobre negócios ocorridos no curso do mandato são prerrogativas que não podem ser negadas, inclusive, em princípio, as que se sujeitem a dever de sigilo. Isto porque o Conselho Fiscal é órgão, é, no caso o SPFC, e não pode ser considero um terceiro para efeito da divulgação.

Por outro lado, ao acessar documentos e informações, o conselheiro fiscal não pode dar-lhes publicidade, divulgar a terceiros, inclusive a membros de outros órgãos e associados, ou à imprensa, e dar-lhes qualquer finalidade estranha à sua função orgânica. Tal conduta contraria os interesses da instituição.

Para concluir, havendo indício de que documento ou informação possa interessar pessoalmente a um conselheiro e dele fazer uso pessoal, ou de que possa gerar uma situação de conflito de interesse, o Presidente do Conselho Fiscal pode negar-lhe acesso, mediante justificativa.

Enfim, nesse momento de implementação de uma nova estrutura de controle e fiscalização da administração do SPFC, a adequada atuação do Conselho Fiscal é fundamental para que, de um lado, o órgão não seja esvaziado e, de outro, não invoque poderes que não tem.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.