Meio de campo

Juventus: ressurgimento por meio da governança

Juventus: ressurgimento por meio da governança.

14/6/2017

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo

No "vale das sombras" em que se encontra, atualmente, o futebol italiano, a Juventus Football Club ("Juventus") desponta como o único time que honra a tradição futebolística de seu país, em relação aos demais times europeus.

Após o título da UEFA Champions League conquistado pela Internazionale em 2010, os maiores êxitos foram obtidos apenas e justamente pela Juventus, em 2015 e 2017, em ambas as ocasiões se sagrando vice-campeã europeia.

Seu protagonismo regional, confirmado pelos títulos consecutivos de 2012 a 2017 do campeonato italiano, e sua posição de destaque nos cenários europeu e mundial, decorrem, em grande parte, de seu modelo de governação, instituído após a maior crise de sua história.

Após o escândalo de manipulação de resultados (Calciopoli) em 2006, que lhe rendeu o descenso à 2ª divisão, a Juventus implementou um projeto com o propósito de reequilibrar as contas e aperfeiçoar o modelo gerencial.

Os resultados começaram a aparecer a partir de 20101, quando Andrea Agnelli, atual presidente, assumiu a gestão e provocou significativas mudanças estruturais, a começar pela reorganização do corpo diretivo.

A Juventus, atualmente, é organizada sob a forma de sociedade anônima e tem suas ações admitidas à negociação no mercado de capitais italiano, a Borsa Italiana. Representa, portanto, um dos raros casos de clube de futebol com capital aberto2.

A Companhia Juventus é controlada pela família do Presidente, a Agnelli, por intermédio da EXOR N.V., companhia com base na Holanda que detém 63,8% do capital social.

Do restante das ações, 10% pertencem à Lindsell Train Ltd. e 26,2% são negociadas livremente no mercado.

O organograma da Juventus revela uma distribuição de poderes entre a Assembleia de Acionistas, o Board of Directors (um híbrido de conselho de administração e diretoria, do Direito Brasileiro) e um corpo de Auditores Estatutários.

No plano administrativo, o Board situa-se no topo de uma pirâmide organizacional, composta por outros órgãos de controle, responsáveis por auxiliá-lo na administração da companhia.

Além disso, sem integrar essa pirâmide, foi criado um órgão de supervisão e fiscalização (Supervisory Body) e instituído um sistema de controle externo, por meio de auditores independentes.

A estrutura é ilustrada pelo seguinte quadro:

O Board é composto por, no mínimo, 3 e, no máximo, 15 membros.

A presidência, como já adiantado, foi atribuída a Andrea Agnelli, enquanto a vice-presidência ao ex-jogador Pavel Nedved. Além deles, integram o órgão 10 outros membros: 2 CEOs (Chief Executive Officers), sendo um responsável pela gestão da área de esportes (inclusive o futebol) e outro pelos assuntos financeiros; e 8 Non-Executive Directors (que podem ser equiparados à figura de conselheiro, no Direito Brasileiro), dentre os quais 5 são independentes.

De acordo com o Estatuto, o Board é investido de todo e qualquer poder para a gestão ordinária e extraordinária da Companhia. Ele define, aliás, as diretrizes para o sistema interno de controle de riscos (Internal Control and Risk Management System – ICRMS) e determina o nível de risco compatível com os objetivos estratégicos da Juventus. Um dos membros do Board deve ser o responsável pela supervisão do funcionamento do ICRMS: hoje, tal função cabe ao CEO competente para cuidar das questões financeiras.

Abaixo da administração, situam-se 2 comitês: o de controle e risco e o de remuneração e compromissos. O primeiro opina em temas relacionados à identificação de riscos e ao funcionamento do ICRMS, reportando-se ao Board; já o segundo faz recomendações aos CEOs acerca dos planos de remuneração, observando as metas de performance, bem como revisa, periodicamente, a adequação e a consistência da política remuneratória da companhia.

Na sequência, encontram-se os auditores internos, responsáveis por avaliar a adequação e a eficiência do ICRMS e a confiabilidade dos sistemas, incluindo o contábil.

Mais abaixo, e no mesmo plano, estão o (i) Financial Reporting Office, o (ii) Risk Manager e o (iii) Privacy Officer, que cuidam, respectivamente, da (i) implementação de procedimentos administrativos e contábeis, para a elaboração das demonstrações financeiras, (ii) implementação de sistema para a identificação, o monitoramento e a governança dos principais riscos, e (iii) proteção de dados pessoais.

O Supervisory Body supervisiona todo o modelo de organização, gestão e controle, além de poder sugerir mudanças no arquétipo do Board of Directors.

Quanto aos Auditores Estatutários, eles são responsáveis pelo compliance, pela verificação da observância aos princípios de administração da Juventus e, também, por monitorar a correta implementação das regras de governança corporativa.

Trata-se, sem dúvida, de estrutura complexa e minuciosa, composta de vários órgãos de controle com funções bem definidas. A gestão da Juventus é calcada, formalmente, ademais, em certos princípios, que destacam a ética (existindo um Código de Ética), a transparência, a distribuição de responsabilidades e, com maior ênfase, o controle de riscos.

Seus números, apesar de não serem desprezíveis, ainda não impressionam, mas, tendem a evoluir, sobretudo com a intensificação do processo de resgate de sua credibilidade: em 2016, a Juventus auferiu 341,1 milhões de Euros, figurando como o 10º time de maior receita no mundo3.

Enfim, foi do céu ao inferno, e quase voltou ao céu, não fosse o semideus Cristiano Ronaldo e sua vocação pela conquista.

Mas, o que importa, é que a Juventus está de volta ao jogo, mais forte e estruturada no plano organizacional, o que contribuirá para que retome o protagonismo no futebol mundial.

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1 Juventus.

2 A KPMG, em seu estudo anual “Football clubs and the Stock Exchange”, faz um apurado dos clubes que se aventuram no mercado de capitais e avalia os seus desempenhos. A edição de 2016 está disponível no endereço .

3 Deloitte.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.