Meio de campo

Conselho de Administração do SPFC x Conselho de Administração do Flamengo

Conselho de Administração do SPFC x Conselho de Administração do Flamengo.

31/5/2017

O São Paulo Futebol Clube ("SPFC") implementou um novo modelo de governação, que vem sendo apresentado como o mais moderno do Brasil. Uma das principais novidades é o Conselho de Administração.

Composto por apenas 9 membros, dos quais 3 independentes, esse órgão tem, na estrutura do clube, funções análogas às dos Conselhos de Administração de companhias abertas.

Outro clube brasileiro também instituiu, antes do SPFC, um órgão com a mesma denominação: o Clube de Regatas Flamengo ("Flamengo"). Porém, a composição, as funções e as competências previstas em seu estatuto revelam que o seu Conselho de Administração, em sua essência, se aproxima muito mais dos tradicionais órgãos políticos deliberativos do que dos órgãos de orientação e fiscalização das companhias.

Seus integrantes são divididos em um (i) Corpo Permanente, constituído por ex-presidentes dos Poderes Sociais e sócios Grande-Beneméritos, e um (ii) Corpo Transitório, formado por, no mínimo, 48 membros efetivos e 24 suplentes, eleitos entre os sócios das categorias Benemérito, Emérito, Laureado, Remido, Proprietário, Patrimonial e Contribuinte, sendo 50% de Proprietários e a outra metade das demais categorias.

O presidente e o vice-presidente do Conselho de Administração são eleitos pelo próprio Conselho.

Ou seja, trata-se, primeiro, de órgão formado por número expressivo de associados e, segundo, sem a participação de membros externos e independentes.

Dentre as várias atribuições, listam-se, principalmente:

i) a votação anual da proposta orçamentária para o exercício seguinte, apresentada pelo Conselho Diretor, subsidiado pelos pareceres técnicos do Conselho Fiscal e da sua Comissão Permanente de Finanças;

ii) aprovar a celebração de acordos, contratos, empréstimos e antecipação de receita nos casos em que estiver suspensa a autonomia do Conselho Diretor, como, por exemplo, nas hipóteses de falta de entrega, no prazo, da proposta orçamentária, de atraso na entrega dos balancetes mensais para apreciação do Conselho Fiscal, de inferioridade do superávit ou superioridade do déficit em 3% do faturamento previsto no orçamento aprovado, bem como de violação do limite de despesa total mensal com pessoal;

iii) apreciar, anualmente, o Relatório do Presidente do Flamengo;

iv) processar e julgar os seus próprios membros, os sócios Grande-Benemérito, Benemérito, Emérito, os membros das Mesas dos Poderes (exceto os do Conselho Fiscal), o Vice-Presidente do Flamengo, bem como revisar as decisões proferidas pelo Conselho de Administração;

v) aprovar as alterações de estrutura dos departamentos;

vi) votar a proposta de suplementação de verba e de aplicação de recursos disponíveis, em caso de insuficiência de dotação orçamentária;

vii) decidir sobre responsabilidades financeiras, que gravem ou onerem o patrimônio do Flamengo;

viii) autorizar a realização de obras de construção, reforma ou ampliação de imóveis, assim como assinatura de contratos, exceto os de prestação de serviços de futebol, desde que o valor exceda a duas mil e setecentas vezes e não ultrapasse a quatro mil e quinhentas vezes o valor do Salário Mínimo Nacional;

ix) autorizar o Presidente do Flamengo a contrair mútuos e a fazer outras operações de crédito, que independam de garantia real imobiliária, acompanhado o pedido do parecer do Conselho Fiscal e ouvida a sua Comissão Permanente de Finanças; e

x) autorizar, em caráter de exceção, a prática dos seguintes atos relacionados à gestão do orçamento, que são vedados ao Conselho Diretor:

1. contratação de crédito com membros dos órgãos sociais do Clube, associados, funcionários, sociedades empresárias das quais estes sejam sócios majoritários ou nelas exerçam cargo de gerência, além de fornecedores e prestadores de serviço;

2. a continuidade de despesa criada ou expandida que não for compensada nos exercícios seguintes;

3. atos que resultem em aumento de despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato dos membros do Conselho Diretor, exceto demissões por justa causa;

4. a assunção de obrigações pecuniárias, por parte dos administradores do Flamengo, nos 180 dias anteriores à eleição dos membros do Conselho Diretor, que não possam ser cumpridas integralmente dentro do exercício, ou que tenham parcelas a serem pagas no seguinte, sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para esse fim;

5. a assunção de obrigações pecuniárias, pelos administradores do Flamengo, superiores a 10% do valor estabelecido no orçamento de caixa;

6. a contratação de operação de crédito por antecipação de receita, enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada, ou no último ano de mandado eletivo dos membros do Conselho Diretor; e

7. a Concessão, pelo Flamengo, de garantia em operação de crédito, sem o oferecimento de contragarantia pelo cocontratante, em valor igual ou superior ao da garantia a ser concedida.

Todas as deliberações do Conselho de Administração são tomadas em reuniões, convocadas pelo Presidente ou substituto, por maioria simples dos votos dos presentes, instalando-se a reunião com a presença de, no mínimo, 40 Conselheiros, em primeira convocação, e, pelo menos, 25 Conselheiros, em segunda convocação.

Por sua vez, o regimento interno dos Poderes do Flamengo, além de repetir algumas disposições do estatuto social, define regras mais procedimentais, a exemplo de (i) competências e atribuições do Presidente, Vice-Presidente, Secretários, (ii) funcionamento das reuniões, (iii) forma de deliberação, (iv) questões que precisam ser observadas sobre a reforma do próprio Regimento Interno, bem como (v) a regulação dos processos disciplinares, recursos, revisões, e dos procedimentos eleitorais.

Merece destaque, ademais, a previsão de criação das Comissões Permanentes e Provisórias para o assessoramento do Conselho de Administração, sendo permanentes as responsáveis por opinar nas seguintes matérias: Finanças, Assuntos Jurídicos, Eleitoral e Esportes.

Como visto, o Conselho de Administração do Flamengo – pelo menos no que se depreende da leitura do seu estatuto – tem, sim, relevância para a evolução da governança do Clube. Mas, o seu formato e a sua composição ainda revelam o apego à estrutura clássica de associações sem fins lucrativos, que se constrói, especialmente, pela política associativa.

Aliás, a melhor forma de constar a sua eficácia seria por meio da verificação dos debates e das eventuais dissidências contidas em atas de reuniões do órgão. Em sentido inverso, a inexistência de divergências indicará, intuitivamente, que a sua função se resume a um formalismo validador das decisões diretoriais.

Resumindo: apesar da coincidência de nomes, os Conselhos de Administração do SPFC e do Flamengo são, na essência, muito diferentes, e não se prestam ao mesmo fim. Enquanto o do primeiro se aproxima dos modelos das companhias, o do segundo, apesar de revelar um avanço em relação às estruturas tradicionais, estimula a politização.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.