Meio de campo

A Mandioca, Alex Atala, o futebol, Tite e o Brasil

A Mandioca, Alex Atala, o futebol, Tite e o Brasil.

5/4/2017

Alex Atala, provavelmente o mais talentoso cozinheiro que o país produziu, afirma que o ingrediente alimentar que une os brasileiros, independentemente de origem, classe ou região, é a mandioca e as suas farinhas (e não o arroz com feijão)1. Essa revelação, que foi precedida de intensa pesquisa e visitação, contribui para o resgate de hábitos alimentares que marcaram a formação de nossa cultura.

Partindo-se da classificação de Ezra Pound2, Alex Atala se enquadra no tipo de pessoas caracterizadas pela maestria. Os mestres se diferenciam dos inventores - que são os homens descobridores de novos processos - pois, apesar de não terem inventado tais processos, os usam tão bem ou melhor que os próprios inventores.

Sua maestria, contudo, mesmo associada à sua capacidade inata de comunicação e encantamento, sobretudo pela paixão que envolve suas proposições, não produzirá um país melhor a partir da mandioca.

Tite também se classifica entre os mestres. Um mestre ainda em evolução, mas que poderá, talvez, se sentar ao lado de outros, sagrados e consagrados, como Telê Santana e Pep Guardiola. Ou almejar um posto maior.

O produto que ele maneja, no entanto, ao contrário da mandioca - e de qualquer outro elemento que reúne expressão de cultura e alguma relevância econômica – é dotado de poder transformacional.

A expressão dessa realidade se acentua nos momentos de necessidade de afirmação nacional. É exatamente o que se passa com o processo de beatificação de Tite, desde o início de seu trabalho na liderança da seleção brasileira.

Ao treinador se tenta conferir o crédito pelo início do resgate da confiança e do orgulho de ser brasileiro, num momento extremamente delicado da história política e econômica do país. A transformação do ambiente se opera, portanto, pelo futebol, e não pelo prometido resgate da economia. E decorre, vale ressaltar, da atuação de um novo líder, um quase-Messias, e não de um processo de reformulação das bases do esporte, especialmente para colocá-lo no mesmo patamar de seus oponentes internacionais.

Desse processo não participaram os donos do futebol, que nada fizeram - e nada fazem, efetivamente – para a operação do quase-milagre. Foi obra do acaso, ou de Deus, que é, afinal, brasileiro.

Esse diagnóstico é assustador: Tite é efêmero; sua vontade e sua energia para produzir o bem podem se esgotar; e, num cenário que não se pode desprezar, a convergência e união grupal podem se dissipar, e os resultados positivos tornarem-se menos frequentes.

De todo modo, esse lampejo ufanista que o brasileiro começa a reverberar, de certa forma tributário de um modelo de país que não se quer ver nem pintado de verde e amarelo, revelam, no entanto, a força da maior expressão cultural do país: seu futebol.

O futebol não solucionará todos os problemas do país. Mas poderá integrá-lo e promover pujança econômica e avanços sociais.

Porém, pessoas que se deliciam com as extravagâncias culinárias alienígenas, quando a conta se apresenta em euros ou dólares, mas que são incapazes de compreender a proposta revolucionária de um cozinheiro (ou chef) local, quase macunaímico, que oferece produtos em reais, mantêm-se curvadas à secular dominação europeia, agora sob a forma do jogo de bola.

A incapacidade – ou falta de vontade – de transformar o país é enaltecida pelo empenho na formação de um novo símbolo transformador que, paradoxalmente, reforça o status quo.

A seleção deveria pertencer aos brasileiros. Tite vem se apresentando, realmente, como o instrumento de aproximação e fiador de um novo romance. O problema é que ele representa, institucionalmente, os algozes das milhões de pessoas que sonham, de modo legítimo, com uma vida melhor a partir do futebol, com um futebol melhor ou apenas com a sua devida valoração no plano econômico.

O conflito está posto.

Se Tite atingir seu objetivo como técnico – o título da Copa do mundo, ou uma participação reconhecidamente encantadora, como a da seleção de 1982 -, não poderá ignorar o dever de protagonizar a revolução da governação do futebol brasileiro. E, assim, tornar-se, além de mestre, um grande inventor.

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1 Nada de arroz e feijão: saiba qual alimento une o Brasil, segundo Atala.

2 Pound, Ezra. ABC da literatura; organização e apresentação da edição brasileira Augusto de Campos; tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes – 11. ed. – São Paulo: Cultrix, 2006, p. 42.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.