O anteprojeto de Lei Geral do Esporte Brasileiro, objeto da coluna da semana passada (16/3/2017), propõe a criação, no capítulo V, seção II, da Sociedade Anônima Esportiva ("SAE"). O art. 144 estabelece, nesse sentido, que ela terá "capital dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas".
Em seu conteúdo, adotam-se, em grande parte, o modelo e a redação que constam do Projeto de lei 5.082/16, de autoria do Deputado Federal Otavio Leite ("PL 5.082"), que cria, no Brasil, a sociedade anônima do futebol ("SAF"). Aliás, o art. 1º do PL 5.082 prevê que a "sociedade anônima do futebol – SAF terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas".
Há, porém, um propósito estrutural, que motiva a criação da SAF, que não se conseguirá absorver na SAE: a formação de um ambiente organizado, estruturado e regulado, que estimule e incentive o desenvolvimento de determinada atividade. Uma atividade, no caso do futebol, que pode, pela sua dimensão e capilaridade, transformar-se em um efetivo elemento de integração nacional, de geração de empregos e de renda, de atração de investimentos e de arrecadação de tributos.
Esta é a perspectiva que justifica a concepção de um novo tipo societário, como a SAF.
A SAF não é, portanto, a finalidade do PL 5.082. Ela é o instrumento de viabilização de um projeto maior e mais audacioso, que consiste, como já indicado, na formulação de um sistema, um "ecossistema" sustentável, construído sobre os pilares de preservação do futebol como bem cultural e de sua potencialidade econômica e de mercado. Caso contrário, não haveria necessidade de criação de uma nova via de direito para organização da atividade futebolística.
Note-se, nesse sentido, que qualquer entidade esportiva já pode – e sempre poderá - adotar algum dos tipos societários já existentes, como a sociedade anônima ou a sociedade limitada, para organização de empresas esportivas. Esses tipos societários, além de conhecidos, já foram testados e contam com extensa jurisprudência e doutrina, oferecendo certa previsibilidade e segurança.
Isso faz com que a inserção de uma nova via somente se justifique se vier a fazer parte das soluções para problemas socioeconômicos. As tentativas de induzir a transformação do clube em empresa, protagonizadas a partir dos anos 1990, demonstraram – e demonstram -, na prática, a correção dessa afirmação: projetos mal engendrados, conflitos culturais, problemas éticos, projeções irreais, apropriação de ativos intangíveis, equívocos contratuais, dentre outros fatores.
Não basta, portanto, a forma e o surgimento de uma onda formal. Não basta induzir a mudança de modelo, sem tratar do ambiente em que a entidade esportiva será lançada e no qual ela passará a se relacionar com agentes preparados e experientes. O processo deve ser cuidadosamente organizado e estruturado.
Esses são alguns motivos que justificam a existência do PL 5.082/16 e a necessidade de seu trâmite de modo autônomo de qualquer tentativa de regulação genérica do esporte.
Aliás, ambos os tipos societários – a SAF e a SAE - podem, em tese, conviver.
Porém, o que o Poder Legislativo deve avaliar (e a sociedade civil também, pois se trata de tema de seu interesse) é a necessidade de criação de mais um tipo societário, que se somaria aos demais que já existem e, também, à SAF, a partir do momento em que vier a ser aprovada e inserida no sistema, sem que, para ele, se dê uma finalidade social e econômica.
Ficam, assim, algumas perguntas: qual o propósito da SAE? A que se prestará? Quais serão os benefícios sociais e econômicos? E os custos envolvidos em sua concepção e integração ao sistema? Essas perguntas devem ser respondidas para que o debate possa prosseguir de forma saudável e útil à sociedade.