Muitas teorias explicam a atual situação do futebol brasileiro. Algumas são convincentes, outras menos. Mas, sob qualquer que seja o ângulo de análise, todas convergem quanto à necessidade de mudanças.
Dentre os aspectos que devem mudar, um dos mais relevantes, se não o mais, é a formação do jogador. Os clubes - em sua grande maioria - e o Estado não cumprem sua missão formadora.
Desde cedo crianças são lançadas em um ambiente ultracompetitivo, que pretende gerar futuros jogadores para distribuição entre os principais clubes do país e, com sorte, exportá-los.
A maioria, no entanto, fica pelo caminho. E assim se vai o sonho de uma vida melhor, para o jovem e para sua família. E emerge o pesadelo da insuficiência de formação, da falta de preparo para a vida fora dos campos, obrigando-o (o jovem), com muita frequência, a atuar em atividades que não exigem qualquer nível de escolaridade.
Mesmo os meninos que vencem as barreiras iniciais e se projetam para o profissionalismo se tornam reféns de um sistema que os coisificam. E, invariavelmente, não os prepara para bem gerir suas conquistas, durante e após o término da carreira.
É verdade que poucas carreiras emprestam tanto glamour como o futebol, alçando, em alguns casos, jogadores à posição de heróis. Também é verdade que alguns reúnem fortuna que supera as de bem-sucedidos empresários, profissionais liberais ou executivos de empresas, que carregam em seus currículos diplomas internacionais. Mas se fala da minoria.
Esse cenário deve mudar. O futebol pode – e deve – cumprir uma função educadora, contribuindo para formação das crianças que se perderão pelo caminho e melhorando as condições daquelas que resistirão, tornando-as, assim, melhores profissionais.
Os times peneiram e extraem, da sociedade, o que há de melhor no plano esportivo (ou o que há de mais resistente); e devem, em contrapartida, contribuir para a sociedade, exigindo e provendo uma formação compassada com os benefícios que dela extraem.
Não se pode, também é verdade, fechar os olhos à posição dos clubes, que investem, desde a infância ou adolescência em meninos que, muitas vezes, não se tornam profissionais, esvaindo-se a expectativa de retorno do capital e do tempo investido.
O interesse econômico do clube não pode, portanto, ser desconsiderado. Ao contrário: é fundamental que se pavimente a via que permitirá a adoção de um adequado modelo de governação, a captação de recursos e o incremento de investimentos, inclusive e especialmente para formação e educação de jogadores.
Soluções podem ser construídas, no plano privado ou público. No primeiro, de modo isolado ou em conjunto. Por melhor concebida que seja uma proposta reformadora isolada, seu alcance é limitado. Não deve ser descartada ou desestimulada; é claro que não. Mas isso não afasta ações conjuntas, que podem, estas sim, ter o condão transformador.
Ações conjuntas exigem um certo consenso. Algo que ainda falta ao futebol brasileiro. Os times deveriam admitir que, apesar de adversários em campo, são – ou deveriam ser – sócios fora dele. A força sistêmica fortalece os times, individualmente.
Enquanto a união e a efetiva associação não se materializam, resta, então, ao Estado, no âmbito de sua competência legislativa, prover meios para que o futebol cumpra sua missão educadora. Talvez seja, aliás, por meio do futebol, o melhor caminho para atrair e manter crianças em sala de aula.
Não se trata, é bom frisar, de movimento estatizante. Também não se trata de interferência do Estado no funcionamento do futebol. Muito pelo contrário. Trata-se de proposta de criação de um ambiente propício ao surgimento de um novo mercado do futebol, por meio de uma regulação que reconheça sua importância econômica e social.
Em outras palavras, que liberte o futebol do Estado-financiador, tal qual se manifesta no Brasil, mediante iniciativa do Estado-Legislador.
Esse é o propósito do Capítulo XVII do PL 5.082/16, que institui a sociedade anônima do futebol (SAF). Ele cria o programa de desenvolvimento educacional e social, por meio da celebração de convênios entre a SAF e escolas públicas.
Os objetivos do convênio devem ser: (i) incentivo à assiduidade de crianças e jovens matriculados em escolas públicas; (ii) incentivo ao envolvimento e interesse dos alunos nas atividades educacionais promovidas pela escola; e (iii) formação de jovens atletas do futebol.
Para que a SAF possa se beneficiar das contrapartidas previstas no PL 5.082/16, o convênio deve ser aprovado pelo Ministério da Educação. A aprovação depende da previsão de investimentos cumulativos, pela SAF: (i) na reforma ou construção, e manutenção, de quadra ou campo destinado à prática do futebol; (ii) na instituição de sistema de transporte das crianças e jovens qualificados à participação do convênio, quando a quadra ou campo não se localizar nas dependências da escola; (iii) na alimentação das crianças e jovens integrantes do convênio durante os períodos de recreação futebolística e de treinamento; (iv) na capacitação de ex-jogadores profissionais de futebol, para acompanhar as atividades no âmbito do convênio; e (v) na contratação de profissionais auxiliares, especialmente de preparadores-físicos, nutricionistas e psicólogos, para acompanhamento das atividades no âmbito do convênio.
Por outro lado, para que a criança possa participar do convênio, ela deverá estar regularmente matriculada na instituição conveniada, manter um nível de assiduidade às aulas regulares e padrão de aproveitamento definidos pelo Ministério da Educação.
Existe, portanto, um sistema de partidas e contrapartidas a todos os envolvidos.
Neste sentido, também se oferece à SAF uma contrapartida: a possibilidade de deduzir, do lucro tributável para fins de apuração do imposto sobre a renda devido, o triplo das despesas comprovadamente realizadas no período base, em convênios desenvolvidos na forma do PL 5.082/16.
Este modelo de dedução, aliás, já existe no sistema: foi concebido com base no Programa de Alimentação do Trabalhador, criado e mantido desde 1976, com o propósito de incrementar a dieta dos trabalhadores.
Concluindo, o PL 5.082/16 não se limita a conceber uma via de direito para organização do futebol no Brasil. Ele também reconhece a importância do esporte no plano social e propõe um instrumento colaborativo, a fim de atrair crianças para sala de aula. E, assim, contribuir para sua formação.