Meio de campo

Abertura de capital da CBF – Novas notas - Parte II

O advogado apresenta novas notas referentes a abertura de capital da CBF.

18/5/2016

Na edição de 27 de abril de 2016 desta coluna, discorreu-se sobre a abertura de capital da CBF ("Parte I").

Em breves linhas, foram abordados os seguintes aspectos: (i) natureza jurídica da Confederação; (ii) relação jurídica entre Federações e Clubes, de um lado, e a CBF, de outro; (iii) incentivos para sua "mutualização"; (iv) indicação de procedimentos para sua desmutualização; e, finalmente, (v) passos para abertura de seu capital.

Conforme o modelo tratado e sugerido em Parte I – o qual, aliás, é exposto com detalhes no livro Futebol, Mercado e Estado ("Livro")1 - as Federações e os Clubes se tornam acionistas da CBF S.A. em decorrência de sua desmutualização. Esta nova companhia passa a gerir, então, todas as atividades atualmente organizadas pela CBF, tais como a seleção brasileira, calendário, patrocínios, campeonatos e copas. Com o registro de emissor e a oferta pública de ações no mercado, ato final do procedimento que se sugeriu, todos os acionistas, inclusive aqueles que adquirirem ações na oferta pública, participam dos resultados de todas as empresas econômicas sob a gestão da CBF S.A.

Há, é importante registrar, outras estruturas que podem, eventualmente, ser adotadas a fim de direcionar o processo de abertura de capital da CBF. Aliás, uma alternativa foi exposta pelos mesmos autores do Livro, em Audiência Pública promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito da Câmara dos Deputados, destinada a investigar e apurar denúncias sobre dirigentes da FIFA acusados de determinados crimes (“CPI Futebol”), realizada no dia 03 de maio.

É sobre essa estrutura alternativa que se discorre a seguir.

I. Alternativa

A proposição parte da premissa de que a CBF pode, alternativamente, ser desmembrada, de modo que se reconheçam as distintas naturezas das atividades por ela geridas. Assim, separam-se a administração da seleção brasileira da organização e gestão dos campeonatos, copas e atividades afins.

A ideia consiste, portanto, na criação, pelas entidades que atualmente dispõem de direito de voto na CBF (Federações e Clubes), de uma nova entidade, autônoma, que terá como propósito cuidar, gerir, desenvolver e aperfeiçoar os campeonatos e copas sob sua gestão, bem como temas e interesses relacionados.

Com isso, passam a existir e coexistir duas associações, com finalidades e objetos próprios.

A partir daí os procedimentos para abertura de capital são aqueles previstos em Parte I.

II. Reflexos

Os reflexos desse caminho se verificam, portanto, na existência de duas associações, que ostentam, no momento da criação da segunda, a mesma estrutura associativa da primeira.

Seus "associados" deliberam, então, em assembleia de cada uma das associações, a criação e a atribuição de títulos patrimoniais a Clubes e Federações, que passam a deter ativos de ambas.

Na sequência, os associados deliberam, nas respectivas assembleias de cada associação, a transformação delas em sociedades anônimas, assumindo, a partir das deliberações, a condição de acionistas de duas companhias distintas.

Por fim, deliberam a abertura de capital de uma ou das duas, simultaneamente ou em momentos distintos.

III. Eventuais motivos para desmembramento

Esse modelo se justifica na hipótese de admitir-se que as atividades de gestão da seleção brasileira e de campeonatos e torneios nacionais são "produtos" distintos, que podem ter lógicas administrativas e empresariais próprias. Assim, cada companhia tem seu conselho de administração e sua diretoria, capital e orçamentos exclusivos, e propósitos específicos. E, consequentemente, patrocinadores, apoiadores, investidores e públicos próprios.

A segregação também se justifica caso se reconheça que, no âmbito de uma mesma companhia, com as características da CBF, a aglutinação das atividades gera conflitos e, potencialmente, prejuízos aos agentes que, de algum modo, participam e detêm legítimos interesses no desenvolvimento autônomo de cada modalidade.

Apesar de tratar-se de uma afirmação não conclusiva, e que pode ser relativizada em função da governança adotada pela companhia, sobretudo com a imposição de normas internas que protejam e isolem cada atividade, a forma como o futebol é gerido no país parece conduzir para a validação da hipótese.

Mais do que isso: revela o conflito que opõe a CBF aos Clubes que participam, atualmente, de copas e campeonatos administrados por ela.

De acordo com matéria publicada pelo Jornalista Rodrigo Capelo, "quatro em cada cinco reais arrecadados pela CBF em 2015 só chegaram ao caixa da entidade graças à popularidade da Seleção Brasileira. Dos R$ 518,9 milhões que a confederação teve em faturamento na temporada, R$ 425,6 milhões, ou 82%, estão ligados a contratos de patrocínios, direitos de transmissão e partidas realizadas pela equipe dirigida por Dunga de janeiro a dezembro"2.

Em outras palavras, a CBF, aparentemente, privilegia a seleção em detrimento dos Clubes, campeonatos, copas e outras atividades correlatas. Ou, também de modo apenas opinativo e intuitivo, ela se satisfaz com essa disparidade de receitas, que são suficientes, dentro da lógica associativa e sem finalidade lucrativa atual, para manter a estrutura e os interesses de seus dirigentes. A despeito da vontade e dos interesses clubísticos.

Os números individualizados e apresentados por Rodrigo Capelo parecem, efetivamente, confirmar, de algum modo, essas premissas: do total da receita de patrocínio, 96% decorrem da seleção (R$ 326 milhões); e dos direitos de transmissão, 61% (R$ 68,6 milhões) são produzidos pelo time nacional. Além desses montantes, arrecadaram-se outros R$ 31 milhões com amistosos e outras atividades da seleção.

O valor remanescente, que se produz por conta de campeonatos, copas e temas relacionados, é, com efeito, frustrante, tanto quando se analisa o potencial do futebol brasileiro, como no âmbito da própria receita da Confederação, visto que representa apenas 13% do total3.

IV. Comparações

A discussão a respeito da concentração de atividades já se operou em outros países e o reflexo de seu direcionamento se nota na estrutura administrativa adotada em alguns dos principais centros de prática do futebol. Casos de, exemplificando, Inglaterra, Espanha e Alemanha.

Neles, as Confederações continuam a gerir suas seleções, enquanto as atividades de organização de campeonatos e copas se deslocaram para Ligas, as quais, de modo autônomo, defendem os interesses de seus participantes.

A análise dos resultados dessas Ligas revela possíveis indicativos do acerto do modelo (levando-se em conta que, por lá, ainda não se partiu para um modelo de concentração de todas as atividades por uma única entidade, de natureza econômica, conforme modelo sugerido em Parte I). Com base nos números de 2014, as cinco principais ligas europeias (inglesa, alemã, espanhola, italiana e francesa) faturaram, em conjunto, 11,3 bilhões de euros, sendo que a maior delas, a inglesa, representa 3,9 bilhões e a menor, a francesa, 1,5 bilhões4.

Lembre-se que essas ligas não administram ou operam suas respectivas seleções nacionais, o que torna o resultado da CBF, quando confrontado com seus números, ainda mais preocupante. E, do ponto de vista econômico, quase desprezível.

V. Conclusões

A abertura de capital da CBF é um caminho que deve ser seriamente avaliado pelo Estado. Sua função seria estabelecer incentivos, sobretudo fiscais, para que Federações e Clubes pratiquem os atos necessários à sua implementação.

Sob a ótica dos agentes que podem impor essa mudança, de acordo com a legislação vigente e o estatuto da CBF, o destino final se atinge por caminhos distintos. Um deles, apresentado em Parte I, prevê a concentração de todas as atividades em uma única companhia.

Outro, indicado neste texto, admite a separação de atividades, e a transformação em duas companhias, que se sujeitarão a administrações próprias, disporão de capitais e recursos exclusivos, e seguirão seus caminhos em função de seus planos e suas estratégias, com o propósito de valorizar e desenvolver seus objetivos.

__________

1 Editora Quartier Latin, 2016, de autoria de José Francisco C. Manssur e Rodrigo R. Monteiro de Castro.

2 Época.

3 Somam-se às receitas da seleção (82%) e de competições (13%), outas lançadas como "eventuais".

4 Cf.: Annual Review of Football Finance Highlights, da Deloitte; acesso em 17/12/2015.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.