O vexaminoso resultado da partida entre Brasil e Alemanha, na Copa do Mundo de 2014, provavelmente jamais voltará a se repetir. E em favor de qualquer uma das seleções. Não pelo distanciamento organizacional e estrutural, mas pela raridade de resultados elásticos entre times tradicionais, sobretudo em ambientes competitivos.
Indica, por outro lado, que, enquanto a Alemanha soube aproveitar uma grande crise, simbolizada no fracasso de 2000 - ano em que foi desclassificada na primeira fase da Eurocopa -, para criar um novo ambiente para o cultivo do futebol; para o Brasil, até agora, a catástrofe nada lhe ensinou, e sua crise – persistente – não o direciona a um caminho de luzes.
O ponto de partida para reversão desse crítico estado de coisas é o fortalecimento dos clubes, por meio, como apresentado, ainda de modo preliminar no texto inaugural desta coluna, de uma regulação que estruture o mercado da bola e da institucionalização da sociedade anônima futebolística.
Clubes fracos, sem ambiente para captação de recursos, incapazes de formar novos e muitos talentos, de explorar comercialmente suas marcas, inclusive para exportação, implicam fraqueza do esporte nacional. Daí extrair-se a máxima de que uma seleção será forte se a base que a alimenta for igualmente robusta. Sem times robustos, a poesia do futebol brasileiro, cantada e decantada por Pier Paolo Pasolini, passará ao plano da ficção.
Teorias e modelos de governança ajudam a explicar o fenômeno. E demonstrar que os 7x1, conquanto excepcionais no plano prático ou estatístico, não ocorreram por acaso. Faz-se, então, uma comparação entre os modelos de governação do Bayern de Munique e do São Paulo Futebol Clube.
Este ainda se rege pelo modelo secular da associação sem fins lucrativos. Seus administradores são amadores por definição, pois proibidos de receber remuneração. Assumem o encargo por paixão ou oportunidade. Não podem, como regra, dar-se ao luxo de abandonar suas profissões ou transferir suas empresas a sucessores. Dividem-se, portanto, entre o emprego ou trabalho diário e os temas do clube do coração.
Essa discrição combina, sem dúvida, com a atuação em clubes puramente associativos, que não operam empresas econômicas de vulto, envolvidas em relações empresariais e negociais complexas, inclusive internacionais.
Também chama atenção sua estrutura orgânica. A assembleia é, em qualquer associação ou sociedade, o órgão máximo. No São Paulo, não tem esse tratamento. Ela se reúne apenas a cada período de seis anos, para eleger e dar posse a um terço dos seus membros.
O Poder soberano, pelo estatuto, é conferido ao Conselho Deliberativo. Este órgão tem a incumbência de representação dos associados. É composto de 240 membros, sendo 2/3 vitalícios. Estes 2/3 são eleitos e empossados pelo próprio Conselho. O outro terço, como visto acima, é renovado em períodos de seis anos pela assembleia. Dentre as atribuições do Conselho destacam-se a eleição e a posse do presidente da Diretoria.
Também integram a estrutura orgânica: o Conselho Consultivo, responsável pela manutenção das tradições éticas, filosóficas e históricas; e o Conselho Fiscal, composto por cinco membros, dentre os membros do Conselho Deliberativo.
A Diretoria do clube é composta de presidente, seis vice-presidentes e 18 diretores. Presidente e vices devem ser membros do Conselho Deliberativo.
É dentro e por essa complexa estrutura que se opera o futebol profissional. E sujeito a esses órgãos que o presidente, mais qualificado que seja, atua. E deve, além das sofisticadas relações que se operam no plano futebolístico, ocupar-se com a piscina, as quadras de tênis, o squash, o salão de snooker, o tênis de mesa, pistas de bocha, os bares e restaurantes, salão de festas e festas temáticas, a sauna, o salão e mesas de carteado...
O Bayern não abandonou sua natureza associativa. Mas operou uma separação do plano social da empresa econômica. De modo que suas atividades profissionais do futebol são operadas por uma sociedade empresária cujo capital é distribuído entre o clube Bayern (75%) e três transnacionais: Adidas, Allianz e Audi (cada uma detentora de 8,33%).
No plano orgânico, adota uma estrutura dualistas, composta de Diretoria (executive board) e um Conselho (supervisory board). A Diretoria é formada por um presidente, um vice e três diretores.
O Conselho é integrado por nove membros, sendo um presidente (Chairman), quatro vices e cinco sem designação especial. O presidente do Conselho é indicado pelo Bayern eV (isto é, pelo clube Bayern, e é, também, o presidente do clube); os vices são nomeados pelos outros acionistas, sendo que um é presidente da Adidas (CEO), outro presidente do Conselho da Audi (Chairman) e o último conselheiro da Allianz.
Os demais membros do Conselho ocupam, em suas atividades profissionais, as funções de: Chairman da Telekom AG, Vice-Presidente Senior do Bayern Ev (novamente, do clube); 1o Ministro da Bavária; membro do conselho do Unicredit Bank; e Chairman da Volkswagen.
Compete ao Conselho definir a orientação geral dos negócios. A Diretoria tem poderes de execução e representação. E deve, esta, empregar todos os seus esforços para atingir os objetivos do Bayern. E apenas isso. Ser diversionismo. Em troca de devida remuneração.
Esse modelo não criou fissuras entre time e torcedores; também, aparentemente, não foi interpretado como ato de traição, rompimento com a história, tradições ou algo semelhante. Essa proposição se comprova pelo ranking mundial dos programas de sócio torcedor, liderado justamente pelo Bayern, com 258.000 participantes, o maior dentre todos os times do planeta.
Apresentadas essas realidades, torna-se mais fácil compreender o resultado da Copa do Mundo de 2014. Isto porque o hiato não se restringe aos modelos adotados como referência, estendendo-se a todos os planos em que se envolve o futebol: começando pelo Estatal, que não provê, no Brasil, um ambiente para formação de um mercado e atração de recursos; passando pela CBF, que não tem interesse em fortalecer e luta pela fraqueza dos clubes; e dos próprios clubes, vítimas e responsáveis pelo atual estado de coisas.