Marizalhas

Joia rara de ser humano

José Eduardo Loureiro, ex-presidente da OAB SP, era admirável por sua autenticidade, cultura e humor. Seu respeito e coragem tornaram-no uma figura exemplar em tempos de transição democrática, deixando um legado inspirador.

24/9/2024

Sem nenhuma visão pessimista ou derrotista sobre a atualidade, mas sim realista, percebo atualmente uma queda no nível intelectual e ético daqueles do meu entorno.

Não me refiro aos advogados, juízes e demais integrantes da família judiciária, com os quais mais convivo, falo, no geral, de todos os segmentos sociais, incluindo-os também, mas sempre com as necessárias ressalvas que toda generalização exige. A ressalva deve se situar especialmente no setor da integração social daqueles que sempre foram descriminados e estão num admirável processo de amalgamento. Processo aceito pela sociedade, que é irreversível e constitui um exemplo de avanço civilizatório extraordinário. Há de se anotar que há algumas lamentáveis exceções que resistem ao aprimoramento da sociedade.

Pois bem, dentro desse quadro é preciso realçar figuras humanas exemplares com as quais convivi. Devem ser mencionadas para preservar-lhes a memória e como exemplo.

Vou me referir agora a José Eduardo Loureiro, advogado, ex-presidente da OAB SP e um homem admirável pela sua cultura, retidão de caráter, coerência, simplicidade e alguma maravilhosa excentricidade.

Aspecto relevante para mim foi sempre a sua invejável autenticidade. Loureiro era de uma fidelidade absoluta para consigo mesmo. Não transigia com suas ideias e com seu modo de ser por vezes original e singular. Dando respaldo a tais características ele era portador de coragem para resistir às opiniões e palpites dos amigos e conhecidos que lhe sugeriam mudanças, coragem para sempre com grande senso de humor continuar a ser o que sempre foi.  

Eu mesmo fui um dos palpiteiros. Tinha a imensa alegria de acompanhá-lo em viagens para o interior do Estado quando foi candidato à presidência da Ordem. Eu coordenei a sua campanha. Coordenação quase inócua, pois só fazia aquilo que desejava.  Viajávamos com seu Volks vermelho. Ele no volante. Eu lhe dizia, ou melhor, implorava “Loureiro ponha um rádio nesse carro e um ar-condicionado” Não, respondia ele “quando estou com calor eu abro a janela. Caso esteja com sono, eu canto. Para que esses aparelhos?”

Foi Presidente da Ordem em uma época marcada pela transição democrática, 1985/6. Fora seu diretor anteriormente e soube contribuir com muita discrição, mas com importante eficiência nas campanhas da anistia, das eleições diretas e da constituinte. Sem alarde, sem protagonismo personalista, emprestava credibilidade a todos os movimentos dos quais participava.

Nessa época o metrô e a informática estavam nos seus nascedouros. Dizia para tomarmos o metrô. “Não sou tatu para andar embaixo da terra”. Negava também ser passarinho, razão pela qual recusava o avião.

Quanto à informática a sua objeção era peremptória: "computador dá choque".

Igualmente era categórica a sua opinião sobre as férias. Proclamava: "Férias é invenção de vagabundo"  

Não se pense que esse líder da advocacia era um conservador empedernido, retrógado, insensível à realidade, especialmente a social, que o cercava. Não, era acima de tudo um portador privilegiado de senso de humor, um notável piadista. Mas, sempre esteve sincronizado com as mudanças sociais, culturais e tecnológicas dos novos tempos.  

Admirável era o respeito que tinha pelo outro. Cito um exemplo pessoal de quanto ele foi digno comigo. Lancei-me candidato à Ordem, depois de ter discordado do grupo ao qual ele e eu pertencíamos. Não me apoiou, mas com grande dignidade transmitiu-me a Presidência. Eu fui seu sucessor. A nossa amizade consolidou-se e ficamos juntos até o final.

José Eduardo Loureiro você faz muita falta.  

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.