O meu convívio com Delfim Netto sempre esteve ligado à mesa. Não nos unia nenhuma tese econômica, até porque de economia eu nada entendo. Afinidade política partidária também não existia, em face dos nossos posicionamentos antagônicos, embora ele tenha emprestado importante respaldo, em suas áreas de atuação, ao Presidente Lula, em quem eu votara.
O meu primeiro encontro com ele se deu nos idos de 1968, quando eu trabalhava como foca na sucursal paulista do jornal O Globo. Participei de uma sua entrevista coletiva como ministro, tendo sido essa a minha primeira experiência como jornalista. Eu me limitei a anotar as perguntas dos colegas e as respostas do entrevistado, sem fazer nenhuma pergunta. De economia, como disse, nada sabia, como nada sei razão da minha omissão.
Nenhuma impressão, negativa ou positiva, me causaram as suas respostas, em face da minha confessada ignorância da ciência econômica. No entanto, satisfez-me a ponto da admiração, uma manifestação do Ministro ao final da entrevista. Ele indagou dos presentes qual o local das redondezas onde se poderia tomas um bom chope.
Verifiquei nesse seu questionamento que o professor, pensador e teórico da economia, por vezes sisudo ministro de Estado se escondia um homem do mundo, ligado às boas coisas que a vida nos oferece. Esta minha agradável constatação veio confirmar-se ao longo dos anos, durante os quais pude com ele conviver.
Durante mais de cinquenta anos cruzávamos com não em palestras, reuniões acadêmicas, congressos, mas sim em restaurantes por ambos frequentados, em especial no Máximo e no Gero, onde chegamos a almoçar algumas vezes. Lá, aprendi a apreciar uma sobremesa talvez de sua criação: sorvete de limão com vodca servida em prato fundoagnífica. Anteriormente eu o encontrei várias vezes no Gigeto no Giovani Bruno.
O último restaurante por nós frequentado foi o Roma. Lá ele organizava almoços com vários amigos para que pudessem degustar ostras especialmente encomendadas por ele, vindas de Cananéia.
Estive pela primeira vez em um desses almoços na companhia do grande jornalista e historiador Elio Gaspari, figura especial e tão ligada à culinária quanto Delfim. Estávamos os três à mesa e para meu espanto após comermos um número incalculável de ostras, um disse ao outro, em tom de cumplicidade pelo pecado da gula: agora vamos comer o macarrãozinho? Inacreditável, mas verdadeiro. Veio à mesa uma saborosa massas no alho e no óleo. Imaginei que a mistura com as ostras fosse provocar uma revolução estomacal. Mas, neles não houve alteração. Já em mim. . .
Eu registro esse aspecto humano desse extraordinário economista e homem público que jamais abandonou a sua preocupação pelo país, defendendo teses nas quais possuía crença e esperança.
Convidado a escrever um texto no livro "Liberdade", editado para comemorar os cinquenta anos da Advocacia Mariz de Oliveira, afirmou que os economistas por meio de conhecimentos sociais poderiam ajudar a fazer "florescer uma sociedade justa".