Há pitorescas e interessantes narrativas sobre Noel Rosa, que demonstram o seu extraordinário senso de humor. Talvez a sua humorística revelada em sacadas extraídas de fatos e de episódios específicos possua a mesma origem da excelência de suas letras musicais. A sua inteligência, a sua aguçada capacidade de observação e a sua criatividade.
São narrativas feitas por seus contemporâneos, como Almirante, Aracy de Almeida, Ary Barroso, Vadico, e tantos outros, bem como daqueles que lhe pesquisaram a vida, como André Diniz, João Máximo e Carlos Didier. As fontes, portanto, ou são presenciais ou daqueles que estiveram cronologicamente muito perto dos fatos e fizeram cuidadosas pesquisas.
Em uma madrugada, período do dia de sua preferência, encontrava-se na Av. 28 de Setembro parado na calçada, quando parou uma belo automóvel guiado por dois amigos. Perguntaram a Noel o que fazia naquela hora na rua deserta tomando friagem. Com certeza lembraram-se que ele tinha problemas pulmonares.
Noel sem nenhum constrangimento, após olhar o carro por dentro e observar que possuía bebidas e um balde com gelo, respondeu, “estou esperando um botequim passar”.
Era notável a capacidade de Noel Rosa transformar episódios em músicas. Retratava a cena com graça e ironia de tal sorte que poderia se dizer tratar-se de uma anedota. No entanto o fato ocorrera e ele o musicava e ilustrava com as suas impressões sempre postas de forma engraçada.
Certa ocasião foi ele levado por amigos à casa de uma senhora que muito o queria conhecer. A dona da casa, no entanto, ao vê-lo não escondeu a sua decepção. No lugar de um galã, de um carioca da praia, típico, bonitão, charmoso, ali estava um rapaz raquítico, mal ajambrado e com um grave defeito no rosto. Noel, talvez já acostumado com o espanto das pessoas ao vê-lo pela primeira vez não mostrou constrangimento, mas perguntou se ela estava se sentindo mal, ao que ela respondeu que não. Era um ligeiro mal estar.
Como fazia com frequência o ocorrido se transformou na música denominada “Mentir”. Justificou o ato de mentir como necessário para “ esconder a mágoa que ninguém deve saber.”, pois saber mentir “é prova de nobreza.” Para Noel “mentir não é crime é bem sublime. Após completar a apologia que fez da mentia, arremata dizendo que no “campo do amor a mulher que não mente não tem valor”.
O talento do poeta da vila de musicar fatos do cotidiano, especialmente os ocorridos com ele, nos legou músicas magistrais, todas a merecer a reiteração dos registros das composições e dos episódios que as inspiraram.