Uma série de fatores sociais, políticos e jurídicos transformaram substancialmente as relações interindividuais, assim como aquelas que envolvem os cidadãos e o Estado. Um desses fatores foi o aumento da criminalidade e, como consequência , a ação repressiva do Estado.
O sistema jurídico nos mostra que, se de um lado, o crime deve ser reprimido, de outro, a sociedade precisa estar protegida contra o arbítrio e o abuso de poder. O arcabouço jurídico foi construído tendo em vista esses dois objetivos. Sendo assim, nós temos os Direitos, Penal e Processual Penal, voltados não só para a atividade punitiva como para a garantia da dignidade e da liberdade do homem.
No direito pátrio o instrumento mais eficiente de proteção individual é o Habeas Corpus. Mercê de sua simplicidade procedimental, pois não prevê uma fase probatória e um contraditório amplo, a sua impetração leva a decisão rápida que visa pôr fim a uma coação ilegal.
No entanto, nos dias de hoje, estamos assistindo a uma diminuição sensível no acolhimento por parte do Poder Judiciário desse fundamental instrumento de proteção aos direitos individuais. Em nome do acúmulo de processos o âmbito de sua aplicação está sendo gradualmente reduzido, assim como a atuação dos advogados impetrantes está cada vez mais sendo dificultada e mitigada.
Em face da sua importância, tradicionalmente o Habeas Corpus é chamado de “remédio heroico”. Pois bem, aproveitando a analogia médica, pode-se afirmar que se está atacando a doença com a morte do doente. Em nome da tentativa de se desafogar os Tribunais, está se deixando que pereçam os direitos que deveriam ser amparados pelo remédio tido como heroico.
O nosso país sempre teve em seu ordenamento jurídico, desde a Constituição de 1824, normas de proteção aos direitos individuais. Não explicitamente, mas de forma clara e precisa, a Carta da Monarquia impunha obrigações a toda autoridade que efetuasse a prisão de alguém. Posteriormente, a legislação ordinária passou a utilizar a expressão Habeas Corpus como meio de defesa contra uma coação ilegal. Em 1889, a Constituição Republicana deu ao instituto uma amplitude que alcançou não só o direito de ir e vir, como quaisquer outros que não poderiam ser exercidos em face de uma coação ilegal.
As Constituições posteriores, inclusive a de 1988, mantiveram o Habeas Corpus, ao lado do mandado de segurança, ambos como eficazes instrumentos para a salvaguarda de diretos atingidos por uma ilegalidade.
Houve um momento da nossa história recente que o Habeas Corpus sofreu uma sensível diminuição em sua amplitude, especialmente com o ato institucional nº 5, de l969, que praticamente o suprimiu.
Como já dito, atualmente, obstáculos estão sendo impostos à impetração e ao julgamento de Habeas Corpus. Deve-se apontar, incialmente, a constante quebra do princípio do colegiado, na sua apreciação por parte dos Tribunais. Uma das características que inclusive justificam a existência desses órgãos é exatamente possibilitar a revisão das decisões de 1º grau, por meio de julgamentos coletivos, proferidos por Magistrados mais antigos na carreira e, portanto, mais experientes.
A regra do colegiado, no entanto, vem sendo sistematicamente desobedecida. O Habeas Corpus não está sendo polpado. No mesmo dia da impetração os autos são distribuídos e nos dias subsequentes, quando não no mesmo, recebem uma solução individual. Os advogados não têm oportunidade sequer de entregar memoriais e o Ministério Público de se manifestar.
Tem-se pleno conhecimento da enorme quantidade de processos acumulados nos Tribunais. Ademais, sabe-se eu o número de sustentações orais por sessão de julgamento é excessivo. Esse fato muitas vezes leva os Magistrados à exaustão no final dos dias. A necessidade e a qualidade de algumas sustentações, por outro lado, deixam muito a desejar.
A partir de tais constatações vários advogados estão em contacto com Ministros dos Tribunais Superiores para que, em conjunto, sejam encontradas soluções que conciliem as dificuldades dos Magistrados com os direitos dos jurisdicionados.
Uma das medidas aventadas é a organização da advocacia em carreira, tal como ocorre na maioria dos países. Será adotado um critério temporal que venha a possibilitar aos profissionais após cinco anos de militância em 1º grau, oficiar perante os Tribunais localizados nos Estados e após outros cinco postular junto às Cortes Superiores em Brasília.
Deseja-se minimizar as agruras provocadas pelo excesso de litigiosidade com, no entanto sendo preservados o direito dos cidadãos terem as suas postulações integralmente examinadas pelos Tribunais, por meio de decisões obrigatoriamente colegiadas, após a livre manifestação dos advogados nas tribunas, em respeito ao pleno exercício do sagrado direito de defesa.