Não consegui até hoje saber a razão que me levou a desejar abraçar a vida clerical, quando tinha uns onze ou doze anos. Não sei o motivo, mas lembro do meu estado de espírito à época. Estava todo ele voltado para aquilo que eu imaginava ser uma vocação irrenunciável. Recordo-me de algo bizarro, mas que deve ter influenciado a minha, à época, inclinação sacerdotal. Eu lia uma revista em quadrinhos ( gibi ) sobre a vida de santos e santas da igreja católica.
Certa ocasião assistia a uma missa na Igreja do Embaré em Santos quando uma querida tia, irmã de minha mãe, perguntou-me se ainda eu queria ser padre. Respondi literalmente : "agora mais do que nunca."
A frase foi amplamente divulgada para a família. Tenho certeza de que poucos acreditaram na minha contundente declaração. Meus pais, não tenho dúvidas, jamais puseram fé nas minhas inclinações sacerdotais. Conheciam-me bem.
Ao fazer um histórico da minha infância e adolescência lembro-me que frequentava uma igreja, a Santa Generosa, localizada no Paraíso, Largo Guanabara, cujo pároco era extremamente rigoroso especialmente em relação a nós meninos e jovens que éramos chamados de "cruzados". Acima estava a categoria dos congregados marianos. As moças eram "filhas de Maria". Eu não cheguei àquela categoria. Não fui promovido.
Embora o Padre José nos vigiasse, muitas vezes "cabulávamos" suas palestras dadas na casa paroquial. Dizíamos em casa que iríamos ao seu encontro, mas na verdade o nosso destino era o campo do Olímpicos, a rua Stella e as da imediação onde ficávamos "vadiando".
Vez ou outra, tentávamos ir jogar sinuca em bar existente no Largo ao lado da Igreja. Nem sempre conseguíamos entrar, pois não tínhamos idade. Mais velhos passamos a frequentar a sinuca do bar Vermelhinho, localizado na rua Machado de Assis.
Após o curto período em que quis abraçar a vida religiosa, descobri que a minha "vocação" não era sacerdotal. Eu tenho dúvidas em relação a certos dogmas da Igreja Católica. Não consigo, por exemplo, entender o celibato imposto aos padres; jamais compreendi as indulgências e a confissão; a ideia do pecado; a posição contrária ao planejamento familiar, por meio dos anticoncepcionais; a ferrenha oposição ao aborto mesmo nos casos de anencefalia e do estrupo.
Essas minhas objeções e dúvidas, no entanto não abalam a minha fé em Deus, a minha crença nos valores do cristianismo e a admiração e atração pela vida de Cristo.
A minha fugaz tendência clerical veio, no futuro, a se contrapor à uma defesa criminal que fiz, pelo menos na visão de alguns católicos. Fui defensor de um pastor evangélico acusado de haver desferido chutes em uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida, durante um programa de televisão.
Ao assumir esse caso não imaginava as suas consequências no âmbito familiar. Eu fui duramente interpelado por uma tia, a mesma da igreja do Embaré, inconformada com a minha atuação profissional em defesa de um agressor da santa. Tentei explicar-lhe que estava sendo porta-voz de um direito sagrado que era o de defesa.
Minha tia pouco se importou com as minhas justificativas. "Qual direito de defesa qual nada" e acrescentou: "caso sua mãe estivesse viva você iria ver só"... Nenhum argumento, nenhuma explicação sobre o próprio caso, nada a demovia do sentimento de revolta em relação ao sobrinho até então muito querido.
Com certeza ela pensava: "imaginem ele até quis ser padre!!!"